Macroeconomia


Análise | Internacional | Mai/23

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André Valério

Publicado 25/mai

Onde está a recessão que me prometeram?

Afirmar que o atual ciclo macroeconômico está confuso é eufemismo. A pandemia gerou enormes distorções que tem dificultado a identificação do atual estágio no ciclo econômico mundial. Apesar do Fed ter elevado a taxa de juros em 500 bps em pouco mais de um ano, a inflação americana se mostra mais persistente que o antecipado, rodando na casa dos 5% na taxa anualizada. Ao mesmo tempo, praticamente todos os indicadores antecedentes apontam para uma recessão na economia americana, entretanto, vemos o mercado de trabalho adicionar novos empregos em taxas robustas, mantendo a taxa de desemprego em patamares mínimos. O setor de serviços continua resiliente, imune à piora nas condições financeiras, enquanto a indústria pena em conseguir manter um crescimento sustentado. Por fim, o mercado imobiliário ainda se mostra aquecido, apesar de ser um dos primeiros mercados a sofrer com a desaceleração da economia.

Tamanha incerteza não é exclusividade da economia americana. O padrão se repete nas principais economias do mundo, sejam as europeias, a japonesa e até mesmo a brasileira. Em todas elas observamos inflação persistente a despeito de condições monetárias adversas, enquanto a atividade não se mostra muito afetada por esse ambiente. Em parte, isso se explica pelo fato dessa confusão ter a mesma origem: a pandemia e a resposta econômica dada pelos governos. O tamanho de recursos injetado ao longo de 2020 e 2021 tem deixado cicatrizes persistentes. Sem ter onde gastar, as famílias pouparam esses recursos, gastando-os ao longo dos últimos 15 meses.

Tudo indica que o excesso de poupança tem sustentado o atual ciclo econômico ao redor do mundo, com uma notável exceção: a China. Por lá, parece que a crise imobiliária que estourou ao fim de 2021, gerou um rombo considerável nos portfólios das empresas e famílias, impedindo que o excesso de recursos fosse direcionado à economia real. Todos esses fatores contribuem para deixar o cenário macroeconômico global ainda mais confuso.

Nossa perspectiva ainda é de uma desaceleração econômica global. Entretanto, como os dados mostram, esse não é um ciclo normal. A elevada incerteza e os dados conflitantes apenas aumentam a necessidade de cautela ao navegar nesse cenário.

Estados Unidos

Atividade econômica americana continua dando sinais de fragilidade. A produção industrial avançou 0,5% em abril na comparação com março, e apenas 0,2% na comparação com abril de 2022. As vendas no varejo avançaram 0,4% no mês e 1,6% na comparação com abril de 2022, abaixo da expectativa em ambas as métricas, indicando que a demanda está enfraquecendo. As vendas no varejo americano, em termos reais, sempre ficam estagnada pouco antes da recessão. Será dessa vez diferente?

Indicadores antecedentes mostram atividade em patamar negativo, mas sem piorar. O indicador de expectativa de novas ordens, calculado pelo Fed da Filadelfia, está em nível historicamente baixo, muito distante da sua média de longo prazo. Apesar de apresentar melhora recente, a situação ainda está longe de melhorar. Os PMIs da economia americana mostram que a indústria está em situação frágil, enquanto o setor de serviços continua resiliente e mantendo a atividade em patamar robusto.

Mercado de trabalho continua aquecido. O último payroll, de abril, veio acima do esperado com a criação de 253 mil empregos na economia americana. Com isso, a taxa de desemprego está na mínima histórica de 3,4%. Entretanto, o dado do payroll é bastante “sujo” e passa por diversos ajustes estatísticos que mascaram a realidade do mercado de trabalho americano. O principal deles é o ajuste de nascimentos e mortes, tanto de pessoas quanto de firmas, que desde a pandemia está em nível muito elevado e pouco razoável. Apenas esse ajuste foi responsável pela criação de 350 mil empregos na última divulgação. Além disso, o ajuste sazonal de abril foi muito diferente do tipicamente utilizado. Caso fosse usado o ajuste médio dos últimos 20 anos, o payroll de abril teria sido de adição de apenas 55 mil vagas. Por fim, quando analisamos os dados no detalhe, vemos que, apesar de um patamar ainda elevado, a média móvel de 6 meses da adição de empregos está em tendência de queda, enquanto os setores mais cíclicos da economia vêm reduzindo consideravelmente o ritmo de contratações. Não há dúvidas de que o mercado de trabalho ainda está aquecido, mas está longe de estar pegando fogo.

Inflação tem queda, mas ainda em patamar muito elevado. Em abril, a inflação americana alcançou 5% na taxa anualizada, caindo marginalmente, enquanto o núcleo permanece acima dos 5%, mostrando maior rigidez. Por outro lado, a medida preferida do Fed para analisar a inflação, que é o núcleo da inflação de serviços excluindo os gastos com aluguel, caiu mais rapidamente em abril e apresenta tendência mais intensa. Além disso, a inflação de aluguel é muito defasada no cálculo do CPI americano. Os dados em tempo real sugerem queda no valor dos aluguéis, portanto, esse efeito deve intensificar a queda da inflação no acumulado em 12 meses a partir do segundo semestre. Após ter feito nova alta de 25 bps em sua última reunião, tudo indica que o Fed não irá elevar a taxa de juros na próxima reunião.

Apesar da iminente pausa do Fed política monetária continua contracionista. A base monetária está contraindo fortemente, processo que continuará pelos próximos meses à medida que o Fed dá continuidade ao quantitative tightening. Com isso, a liquidez vai ficar cada vez menor, prejudicando principalmente o crédito.

Crédito está mais caro e a demanda por crédito mais fraca. Com a taxa de juros livre de risco acima de 5% e os bancos sofrendo com a baixa liquidez, observa-se uma contração no crédito tanto pelo lado da oferta, com os bancos menos propensos a emprestar, quanto pelo lado da demanda, com as firmas fragilizadas e demandando menos crédito nesse momento. Dada a defasagem da transmissão da desaceleração na concessão de crédito para a economia real, podemos observar uma desaceleração mais acentuada da economia americana no segundo semestre.

China

A tese de reabertura da China decepcionou. Apesar da atividade econômica ter expandido no primeiro trimestre, ela ficou aquém das expectativas, mostrando que a economia chinesa tem problemas. O principal deles aparenta ser a baixa demanda interna. Mesmo com incentivos que foram dados às famílias ao longo da pandemia, não vimos o escoamento dessa poupança extra em direção à economia real, o que sugere que as famílias estão usando esses recursos para recompor as perdas causada pela crise imobiliária que ocorreu ao final de 2021.

Isso não quer dizer que a reabertura foi um completo fracasso. Seguindo o padrão das reaberturas ao redor do mundo, a China observou um aumento nos serviços, principalmente no turismo, com os cassinos de Macau reportando fortes resultados, por exemplo. Entretanto, a indústria e o varejo não conseguiram capitalizar com a reabertura, e o turismo sozinho não será capaz de manter a atividade econômica em um patamar robusto.

Recessão global e eventual novo surto de Covid podem ser a pá de cal no processo de reabertura. Com a economia global desacelerando, a demanda por exportações chinesas não deve se sustentar. De fato, temos visto os preços das commodities caindo ao longo do último mês, principalmente o petróleo. Além do fato de que a economia chinesa não precisa da mesma quantidade de commodities que ela demandava antigamente, uma vez que boa parte da infraestrutura já está construída, isso também sugere que a atividade econômica chinesa não tem sido forte o suficiente. Por fim, nos últimos dias surgiram notícias de que a China pode enfrentar um novo surto de Covid, devido à nova variante Ômicron XBB, com previsões de um pico de até 65 milhões de casos por semana. Não se espera que o governo atue de maneira tão radical quanto à política de tolerância zero, mas uma contaminação nessa escala pode ter impactos significativos, desacelerando a retomada da economia chinesa.

Europa

Inflação elevada e atividade patinando. A inflação na zona do Euro continua em patamar bastante elevado. Em abril a alta foi de 7% na comparação anual, com o núcleo acima dos 7%. Com isso o banco central europeu elevou a taxa de juros a 4%, mas isso pode não ser suficiente.

Elevada taxa de juros e baixa liquidez deve contribuir para desaceleração econômica. O grande risco para a Europa continua sendo a inflação não ceder, o que deve forçar o banco central a manter a política monetária mais restritiva. Alguns bancos centrais já tentaram pausar o ciclo, como deseja o BCE, para apenas se verem obrigados a retomar as altas, como foi o caso do banco central australiano e inglês. Diferentemente dos EUA, a inflação na Europa dá sinais de alta, o que aumenta ainda mais a probabilidade de uma recessão econômica na Zona do Euro. De fato, a Alemanha já está em recessão técnica, registrando dois trimestres consecutivos de variação negativa no PIB.

Ações europeias apresentaram forte rally nos últimos meses. Impulsionada por uma avaliação relativa melhor que seus pares americanos, as ações europeias chegaram a avançar 30% frente às ações americanas. Entretanto, a perspectiva para a economia europeia não é animadora. Seria hora de vender Europa?

Japão

Apesar da inflação pressionada, banco central japonês não dá sinais de alteração em sua política. A inflação continua pressionada, com o núcleo alcançando 3,4% em abril na taxa anualizada, acima da leitura de março, cuja alta foi de 3,1%.

Novo presidente do banco central, mesma política. Havia expectativa de que o novo presidente trouxesse alguma mudança na direção da política monetária japonesa, que é excessivamente acomodativa há anos. Entretanto, o novo comando ainda se mostra reticente, especialmente em intervir na política de controle da curva de juros.

Japão tem uma escolha à frente: ou altera sua política monetária ou aceita um iene mais fraco. Se a política de controle da curva de juros continuar como está, o iene tenderá a ficar enfraquecido, rodando atualmente na faixa dos 140 ienes por um dólar. A média histórica oscila ao redor de 110. Portanto, ou o banco central aperta sua política monetária ou o iene continuará excessivamente desvalorizado. Um aumento na taxa de juros não parece estar no radar no curto prazo, mas uma alteração na política de controle de juros é factível e parece ser o caminho preferido do novo banco central. Dada a elevada inflação, ainda acreditamos que o banco central japonês terá de alterar sua política monetária, portanto, enxergamos um prêmio no iene frente ao dólar.

Dólar no mês

Após dois meses de queda, Dólar volta a se fortalecer. Dólar vinha perdendo força com a expectativa do mercado de que o Fed estivesse próximo de encerrar o atual ciclo de alta. Entretanto, a confusão a respeito do teto da dívida americana tem deixado os investidores nervosos, aumentando a incerteza e fortalecendo o dólar. A expectativa é que o dinheiro do Tesouro americano acabe no início de junho, entretanto, alguma solução deve ser encontrada até lá.

Ata do FOMC levanta dúvidas sobre a pausa no ciclo de alta. Na coletiva após a última reunião do FOMC, Powell deu diversos sinais de que o ciclo de alta havia terminado. Entretanto, com a divulgação da ata da reunião na última semana, podemos ver que há muita divergência entre os membros sobre uma eventual pausa. Com os dados de atividade ainda forte, especialmente o mercado de trabalho, podemos ser surpreendidos por uma nova alta. Isso traria um novo fôlego ao dólar nas próximas semanas.


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