No recession for US?
A recessão mais antecipada dos últimos tempos teima em não acontecer. De fato, a cada mês vemos as principais economias do mundo com crescimento menor, mais ainda expandindo e com mercado de trabalho aquecido. O principal exemplo é a economia americana que continua com um mercado de trabalho bastante apertado, com taxa de desemprego de 3,7% e observa um mercado imobiliário aquecido, à despeito da taxa de juros de 5% ao ano.
Isso quer dizer que, após anos de liquidez excessiva e juros reais negativos, as economias desenvolvidas conseguem lidar com juros elevados? Pouco provável. E alguns sinais já aparecem evidenciando algumas rachaduras que o aperto monetário criou, o principal exemplo sendo a quebra de alguns bancos regionais nos Estados Unidos.
Então por que a recessão não se materializou? Podemos levantar algumas hipóteses. Como afirmamos em nosso último relatório, a pandemia bagunçou o atual ciclo macroeconômico. Além disso, é sabido que a macroeconomia opera com defasagens, ou seja, os dados que vemos hoje são reflexo de escolhas feitas vários meses atrás. Tal defasagem não é fixa, temos apenas uma estimativa do tempo médio que leva para os efeitos surgirem na economia. E uma das consequências econômicas da pandemia parece ter sido o alongamento dessa defasagem.
Respostas dos governos também contribui para o atual cenário. A quantidade massiva de liquidez que foi injetada no sistema econômico mundial durante a pandemia gerou consequências persistentes. Observamos uma formação considerável de poupança em excesso durante o período em que os benefícios foram distribuídos e que tem ajudado a sustentar a economia, principalmente o setor de serviços.
Entretanto, o sinal de desaceleração é claro. As recessões nos Estados Unidos são identificadas pelo National Bureau of Economic Research, e é feito de maneira a posteriori, ou seja, depois que a recessão já ocorreu. Para eles, recessão é um declínio significativo e amplo na atividade econômica, e que dure mais que alguns meses. Para identificar a recessão, eles utilizam um conjunto de 9 indicadores. Desses 9, 6 estão em uma dinâmica consistente com estagnação ou recessão, as exceções sendo justamente os indicadores de mercado de trabalho e o indicador de consumo. São justamente os indicadores que têm confundido a cabeça dos analistas, apresentando resiliência em meio à alta taxa de juros, enquanto o resto da economia desacelera. Portanto, no atual cenário, é difícil ficar muito otimista e uma boa dose de cautela se faz necessária.
Estados Unidos
Atividade econômica americana continua dando sinais de fragilidade. A grande novidade foi o indicador antecedente do setor não manufatureiro, calculado pelo Fed da Filadélfia, que pela primeira vez desde a pandemia sugere contração no setor de serviços, com tanto as horas trabalhadas, quanto o número de empregados, em terreno contracionista. O setor de serviços tem sido o último guardião do crescimento econômico americano, portanto, podemos ver a desaceleração ganhando força nos próximos meses.
Mercado de trabalho continua surpreendendo e se mostra robusto. Em maio, a economia americana adicionou 339 mil novos empregos, mantendo a média de adição nos últimos 12 meses em 341 mil empregos por mês. Entretanto, a taxa de desemprego aumentou 0,3 ponto percentual, a maior alta mensal desde o início da pandemia.
Os dados do payroll são conflitantes. De um lado, a adição de empregos sugere solidez no mercado de trabalho. Por outro, o aumento do desemprego sugere uma maior fragilidade. Para entender essa contradição, é preciso notar que o payroll é o resultado de duas pesquisas, uma a nível residencial e outra a nível da firma. A adição de empregos vem da pesquisa da firma, enquanto os dados de desemprego vêm da pesquisa a nível residencial. E a pesquisa das firmas tem passado por ajustes estatísticos bem severos, e que levantam dúvidas sobre a confiabilidade do dado. O principal deles é o ajuste sobre a criação e fechamento de firmas, que se mostra bem acima da média histórica, como mostra o gráfico abaixo. Apenas esse ajuste foi responsável por adicionar 231 mil empregos no resultado de maio.
Inflação de maio vem em linha com a expectativa, avançando 0,1%. Com o resultado de maio, a inflação no acumulado dos últimos 12 meses alcançou 4%, mas o núcleo ainda permanece em patamar elevado, em 5,3%.
Inflação deve cair mais aceleradamente no segundo semestre. A atual dinâmica inflacionária tem se mostrado benigna, com forte queda nos preços aos produtores, fenômeno mundial decorrente da normalização da cadeia global de oferta. Os preços ao produtor antecipam a inflação ao consumidor, em alguns meses e a tendência é de clara desinflação. Além disso, a inflação de aluguel cai rapidamente e já se aproxima dos 4% na taxa anualizada nos indicadores de tempo real. A forma como o CPI americano calcula a inflação de aluguel é bastante defasada dos valores correntes dos aluguéis. O indicador Zillow antecipa uma forte queda na inflação de aluguel do CPI no segundo semestre desse ano.
Fed manteve a taxa de juros inalterada na reunião de junho. Movimento era amplamente esperado, dada a comunicação após a alta de maio. Entretanto, as projeções divulgadas pelo FOMC surpreenderam, e indica que a maioria dos membros do comitê antecipa mais duas altas de 25 bps até o fim do ano, o que faria com que a taxa de juros encerrasse 2023 a 5,6%. Entretanto, o cenário como apresentado aqui, não é consistente com mais duas altas de juros. Se seguir nessa direção o Fed corre o risco de exagerar na dose. Até a próxima reunião nos dias 25 e 26 de julho teremos a divulgação de mais um payroll e CPI, que serão bem importantes em pautar a decisão. Pela comunicação do Fed após a última reunião o cenário base parece ser o de uma alta de 25 bps em julho. Nesse caso vale a máxima: listen and do not fight the Fed!
Europa
Atividade continua desacelerando, assim como a inflação. O PIB da zona do Euro recuou 0,1% no primeiro trimestre de 2023 na comparação com o último trimestre de 2022. Os dados setoriais apontam na mesma direção, com varejo recuando mais intensamente. A economia alemã já se encontra em recessão técnica, apresentando dois trimestres consecutivos de contração no PIB, tendência que deve se espalhar para o restante do continente. A boa notícia é que a inflação tem caído em um ritmo mais acelerado, apesar de se manter em um patamar elevado, com alta anualizada de 6,1% em maio e o núcleo recuando de 5,6% para 5,3%. Entretanto, no segundo semestre, a inflação deve cair mais rapidamente, se aproximando dos 3%.
Banco central europeu elevou a taxa de juros a 3,5%. O ciclo de alta ainda não acabou, e a expectativa é de mais altas nas próximas reuniões. Chamou atenção a revisão das expectativas de inflação pelos membros do comitê que elevou a projeção do núcleo da inflação para 2023, o que faz o mercado precificar a taxa terminal em 4%, portanto, mais duas altas de 25 bps antes de anunciarem a pausa. Entretanto, o comportamento da inflação no segundo semestre pode evitar que tais altas sejam realizadas.
China
Os dados da China continuam decepcionando. A atividade em maio veio abaixo do esperado mais uma vez, com a produção industrial avançando 3,5% na taxa anualizada, ante expectativa de alta de 3,8%, enquanto as vendas no varejo avançaram 12,7% na taxa anualizada, ante expectativa de 13,7%.
Balança comercial decepciona e sugere que a demanda internacional não ajudará a economia chinesa. A balança comercial de maio veio abaixo da expectativa, registrando um superávit de US$65 bilhões ante expectativa de US$92 bilhões. Tal resultado foi influenciado pelo desempenho pior que o esperado pelas exportações, que recuaram 7,5% na taxa anualizada, enquanto a expectativa era de uma contração marginal, de 0,4%. Por outro lado, as importações vieram melhores que o esperado, mas ainda em terreno negativo, recuando 4,5% na taxa anualizada ante expectativa de recuo de 8%, indicando uma melhora marginal da demanda interna.
Dados piores que o esperado aumenta a chance de novos incentivos. Além dos dados mencionados acima, a concessão de crédito também veio abaixo do esperado em maio, 20% menor do que o valor observado em maio de 2022. Com isso, o governo chinês já implementa incentivos, reduzindo tanto a taxa básica de juros quanto a taxa de repo, numa tentativa de aumentar o apetite ao risco e reaquecer a economia. Novos incentivos são esperados no decorrer das próximas semanas. Isso sugere que o governo chinês acredita que o mau desempenho econômico é por falta de incentivo, o que pode não ser verdade. Em relatório especial sobre a China, levantamos a hipótese de que o atual momento pode ser fruto de um processo de desalavancagem, o que pode tornar esses incentivos inócuos.
Japão
Japão continua com inflação pressionada e política monetária frouxa. O núcleo da inflação ultrapassa 4% na taxa anualizada, bem acima da meta de 2% e não dando sinais de desaceleração. O Banco Central do Japão (BoJ), por outro lado, não se mostra preocupado. Com a mudança no comando do BoJ em abril, havia a expectativa de mudança na direção da política monetária, tornando-a mais contracionista na margem. Entretanto não é o que aconteceu. O atual presidente parece adotar a estratégia de deixar a economia superaquecida e garantir que a inflação ficará sustentavelmente em 2% antes de começar a elevar os juros.
Enquanto isso, o iene sofre e a bolsa japonesa dispara. Nas últimas semanas o iene atingiu a mínima com o BoJ não dando sinais de alteração na sua política monetária e o Fed indicando que novas altas são prováveis. Por outro lado, a política monetária ultraacomodativa do BoJ garante a liquidez necessária para a bolsa japonesa performar bem. Em 2023, o Nikkei 225 acumula alta de quase 30% e a tendência não parece que irá virar no curtíssimo prazo.
Dólar no mês
Dólar volta a perder força. Com a resolução da incerteza acerca do teto da dívida, os investidores voltaram a se preocupar com a política monetária e a expectativa de que o Fed esteja próximo do fim do ciclo fez o dólar se depreciar ao longo do mês. Nem mesmo o discurso mais hawkish que o esperado por parte do Fed foi capaz de reverter a tendência.