Resumo
Desde a última reunião do Fed, os mercados entraram em euforia, antecipando o início do ciclo de cortes na política monetária.
Enquanto isso, a economia americana continua robusta e fatores externos podem aumentar a volatilidade na inflação no curto prazo, o que é um risco para o atual cenário que os mercados não parecem prestar atenção.
No próximo dia 31, tanto a política monetária americana quanto a fiscal terão impacto relevante para os mercados, podendo clarear a visão para os próximos meses. O cenário ainda é bastante incerto e cautela se faz necessária.
Cenário Macro Global Janeiro 2024
Desde a última reunião do FOMC, no dia 13 de dezembro, o mercado passou a precificar seis cortes na taxa de juros americana em 2024. Essa precificação vai na contramão do que o próprio FOMC pensa, uma vez que antecipam apenas três cortes ao longo do ano, com os juros encerrando em 4,6%. O mercado antecipa, inclusive, que os cortes já se iniciariam em março, a segunda reunião do ano. Isso sugere que se antecipa uma deterioração acelerada na atividade econômica americana, acompanhada de uma intensificação na convergência da inflação rumo à meta.
Entretanto, essa expectativa parece descolada da realidade nesse momento. A atividade econômica americana continua surpreendo com sua resiliência, com a produção industrial e as vendas no varejo positivas em dezembro e até mesmo atividades mais cíclicas, como o setor imobiliário, dando sinais de retomada. Com isso, o PIB americano deve crescer 2,4% na taxa anualizada no 4º trimestre, um ritmo incompatível com uma recessão. Além disso, o mercado de trabalho continua historicamente apertado, com a taxa de desemprego em 3,7%.
Paralelamente, o cenário da inflação americana continua bastante benigno, a despeito de uma inflação de dezembro acima do esperado. Com uma alta de 0,3% em dezembro, a inflação americana encerrou 2023 com alta acumulada de 3,4%, ainda distante da meta de 2%, mas mantendo o processo de desinflação. Desconsiderando os itens mais voláteis, observa-se o núcleo avançando 0,3% no mês, em linha com a expectativa, com alta de 3,9% no acumulado dos últimos 12 meses, menor do que o observado em novembro. Portanto, temos um cenário de atividade econômica robusta, crescendo abaixo do potencial, e um processo de desinflação em curso.
O grande risco para os mercados nesse momento seria uma reaceleração da inflação. A alocação prevalecente hoje está desprotegida para esse evento. Uma grande parte dos participantes do mercado está comprada em bonds, o que os protege de uma eventual recessão, enquanto uma outra boa parte está comprada em bolsa, o que os favorece em um cenário de reaceleração do crescimento. Mas uma eventual aceleração da inflação pegaria muita gente de surpresa.
Há argumentos bastante razoáveis para se ficar cauteloso com esse cenário. A dinâmica salarial continua bastante robusta, crescendo 4,1% na taxa de 3 meses anualizada e em tendência de crescimento. Além disso, o Congresso americano está prestes a passar um pacote fiscal de US$ 78 bilhões em isenções fiscais para famílias e pequenos negócios. Isso em um momento em que o déficit do governo americano já está em um patamar historicamente elevado para tempos de bonança, equivalente a mais de 6% do PIB americano. Em termos absolutos, não é um valor preocupante a ponto de causar receios de uma reaceleração da inflação, mas a direção da política fiscal importa e sugere que não haverá esforço de contração fiscal, especialmente quando entramos em ano eleitoral nos Estados Unidos.
Mais preocupante é a questão geopolítica, com o conflito entre Israel e Hamas espalhando pelo Oriente Médio, com ataques na Síria, Paquistão, Irã e Iêmen. Conflitos no Oriente Médio sempre nos trazem receios de aumento no preço internacional do petróleo, mas temos visto exatamente o contrário, com o preço do barril caindo mais de 14% desde o dia 7 de outubro, quando Hamas atacou Israel. Em parte, isso se deve ao fato de que os conflitos estão distantes das principais áreas produtoras e de escoamento da produção de petróleo na região. Entretanto, para o mercado, é mais preocupante o excesso de oferta e a baixa demanda por óleo cru, principalmente vinda da China, que apresenta sinais inquietantes em termos da sua saúde econômica.
Nesse momento, o impacto geopolítico na economia não vem pelo preço do petróleo, mas sim pelo choque negativo na logística internacional uma vez que os Houthis, facção radical do Iêmen, começaram a atacar navios que se direcionavam para o estreito de Suez, o principal ponto de conexão entre a Ásia e Europa. Desde então, os custos de frete internacional já aumentaram 173% na região, ainda distante do nível de estresse causado pela pandemia, contudo preocupante, podendo trazer de volta uma indesejável inflação de bens. Isso poderá ficar mais latente caso os custos logísticos comecem a afetar os preços ao produtor chinês, que é bastante correlacionado com o custo de frete do porto de Shanghai.
Nesse contexto, as decisões de política econômica na próxima semana serão bastante relevantes. No próximo dia 31, tanto o Fed quanto o Tesouro americano tomarão decisões com grande potencial de afetar os mercados. O Fed irá deliberar sobre sua taxa de juros, podendo dar maior clareza sobre o que pensa diante do iminente ciclo de corte nos juros, enquanto o Tesouro irá anunciar como pretende financiar o déficit público nesse primeiro trimestre.
Desde a última reunião do Fed, em dezembro, o mercado precifica o início do ciclo de cortes entre março e maio. De fato, o início dos cortes é pautado no receio de que o atual patamar da taxa de juros poderá causar danos econômicos, enquanto a inflação caminha para a meta. E há alguns indícios de que a inflação possa estar mais baixa do que a medida oficialmente. O site Truflation, que mede a inflação em tempo real, já aponta para uma taxa bem abaixo dos 2% e em tendência de queda. Além disso, as commodities ficaram para trás nesse último rally, o que sugere uma demanda industrial ainda fraca, potencialmente um reflexo da fragilidade da economia chinesa nos últimos meses. Portanto, é razoável que alguns, dentre eles o Fed, concluam que o problema da inflação já esteja superado, e que, como as taxas de juros estão muito elevadas, o banco central americano poderá começar a cortar muito em breve.
Entretanto, convém lembrar que o mercado financeiro está, essencialmente, olhando à frente e já precificaram essa mudança de rumo na política monetária desde a última reunião do Fed em dezembro, levando a uma queda generalizada na taxa de juros ao longo da curva. Esse movimento estimulou rapidamente alguns setores altamente sensíveis aos juros, em particular o mercado imobiliário residencial, que parece ter iniciado uma corrida para se aproveitar desse momento.
O setor imobiliário é um setor chave para a produção de bens. Uma retomada nas construções nesse momento implica em um setor imobiliário aquecido nos próximos 3 a 6 meses, e bens de consumo relacionados à moradia nos próximos 6 a 9 meses. Isso é preocupante devido ao “efeito chicote” causado pela pandemia, que amplificou o choque inicial e levou diversos lojistas a estocar de maneira agressiva com receio de uma eventual repetição da escassez de bens causada inicialmente pela pandemia. Esse efeito parece ter passado, com diversas varejistas americanas reportando a normalização de seus estoques. Portanto, uma reaceleração na economia de bens de consumo não será absorvido por estoques, podendo levar a uma nova rodada de inflação de bens, o que em meio às questões logísticas já mencionadas, tornam a situação mais preocupante. Além disso, uma antecipação de que uma atividade ainda aquecida pode levar a uma aceleração da inflação já é vista no mercado, com as expectativas de inflação a longo prazo aumentando nas últimas semanas.
Portanto, se o Fed começar a cortar a taxa de juros de maneira agressiva logo no início do ano, o mercado pode responder com uma nova rodada de deterioração das expectativas de inflação, levando-as a um patamar desconfortável para o Fed. Paralelamente, os dados econômicos não subsidiam cortes agressivos nesse momento. Assim, o caminho mais seguro para o Fed seria não iniciar os cortes até que os dados econômicos piorem de maneira significativa ou até que as expectativas de inflação estejam reancoradas na meta.
Por outro lado, o Tesouro americano tem agido como um “segundo Fed”, influenciando as condições de liquidez do mercado, às vezes de maneira dissonante à política monetária. Por exemplo, em outubro, o Tesouro surpreendeu a todos ao anunciar uma emissão de dívida altamente concentrada em títulos de curtíssimo prazo, o que deu início a esse rally do último trimestre de 2023. Assim, o anúncio de emissão de dívida pode ter impacto significativo no mercado.
Dado o último guidance do Tesouro, é de se esperar que a emissão seja mais concentrada em cupons nesse momento, uma vez que o prêmio de risco voltou a ficar negativo, o que torna a emissão de cupons bastante vantajosa do ponto de vista do governo. Além disso, dado que o mercado está bem mais otimista agora do que estava em outubro, é possível que eles tolerem uma dose maior de duration sem que isso afete significativamente as expectativas.
Convém lembrar que a atual estrutura de financiamento do governo americano está bastante concentrada em títulos de curtíssimo prazo, o que não é uma boa prática fiscal. Por outro lado, essa decisão é inerentemente política e 2024 é ano eleitoral nos Estados Unidos. Portanto, não se pode descartar o potencial incentivo político ao Tesouro em não causar danos nos mercados de capitais e na economia. Até porque se poderia argumentar que, dada a fragilidade da economia, aumentar a emissão de cupons nesse momento não seria benéfico. Além disso, dado que se espera que o Fed inicie o ciclo de corte nos juros, por que não esperar melhores condições para emitir títulos de mais longo prazo?
O Fed projeta três cortes esse ano, mas esses cortes são dependentes da continuidade do processo de desinflação e de um crescimento econômico enfraquecido, o que se manifesta através de uma taxa de crescimento do PIB real menor e um aumento na taxa de desemprego. Atualmente, o foco do mercado e dos formuladores de política econômica estão apenas no progresso feito com a inflação. Mas isso é notícia velha. Para 2024, o que irá prevalecer é como a economia real lida com a elevada taxa de juros real. Sendo assim, a próxima semana será decisiva para uma melhor compreensão do que irá acontecer nos próximos meses.