Cenário internacional demanda cautela
Sinais de desaceleração econômica nas economias americana e europeia, além da incerteza acerca da economia chinesa, turvam as expectativas para 2023. Os bancos centrais americano e europeu não dão sinais de que irão alterar a rota da política monetária, a despeito do desejo dos investidores. Apesar da inflação já ter atingido o pico, ela ainda se encontra razoavelmente elevada e distante do centro da meta dos respectivos bancos centrais. Consequentemente, uma desaceleração econômica mais acentuada, ou uma eventual recessão, é altamente provável. Por outro lado, existe uma grande expectativa de que a reabertura chinesa possa ser uma grande força altista em 2023. Entretanto, há incerteza sobre a saúde econômica da China, especialmente em relação ao seu setor imobiliário e creditício. O cenário mais provável é de uma desaceleração econômica global. Mesmo que a China surpreenda positivamente, o seu impacto será contrabalanceado pelas piores condições financeiras criadas pelo Fed e pelo BCE. No encontro em Davos, Lagarde, presidente do BCE aconselhou investidores “a ajustarem suas posições”, para um alta de juro mais intensa.
Estados Unidos
Economia americana desacelera em dezembro.
Varejo recuou 1,1% em dezembro, aprofundando a queda de 1% observado em novembro. A produção industrial recuou 0,7%, com destaque para a produção manufatureira, que contraiu 1,3%. Apesar do mercado de trabalho continuar a adicionar vagas, há sinais de desaceleração nas novas contratações. Em dezembro, foram adicionados 223 mil novos empregos na economia americana, mantendo a taxa de desemprego em 3,5%, valor historicamente baixo. Entretanto, o ritmo de criação de vagas e do crescimento de salários tem caído nos últimos meses.
Chama atenção também a concentração de vagas em pequenas e médias empresas, mais ligadas aos setores de serviços e hospitalidade. Por outro lado, grandes empresas têm fechado vagas devido ao aumento do custo financeiro causado pela taxa de juros elevada. Vale lembrar que o mercado de trabalho é defasado em relação ao ciclo econômico, e a perspectiva ainda é de uma recessão na economia americana no primeiro semestre de 2023.
Indicadores antecedentes como o PMI e o ISM já colocam os setores da indústria e dos serviços em recessão.
Inflação dá sinais de melhora em dezembro.
Deflação de 0,1% no mês fez com que o índice de preços encerrasse 2022 com alta de 6,5%. É o menor valor na taxa anualizada desde novembro de 2021. O núcleo da inflação acelerou em relação a novembro, mas em linha com a expectativa. A deflação em dezembro foi consequência da queda dos preços de energia, -4,5%, devido ao recuo do preço do petróleo. Por outro lado, a inflação de serviços excluindo aluguel acelerou em dezembro, alcançando 0,4%.
O resultado foi visto com otimismo pelo mercado.
Contribuiu para isso o desempenho dos preços ao produtor, que registrou deflação de 0,7% em dezembro, sugerindo a continuidade da pressão deflacionária de bens. Chama atenção a medida de núcleo excluindo o aluguel, que tem mostrado forte desinflação. Esse indicador é de interesse pois é acompanhado de perto pelo banco central americano como termômetro da inflação, devido à sua forte correlação com a variação de salários. A desinflação desse indicador sugere que as pressões vindas de componentes mais rígidos estão se dissipando, logo, o Fed pode ter maior confiança de que a inflação está de fato retornando à sua tendência pré-pandemia, o que abre espaço para a normalização da política monetária, reduzindo a incerteza no mercado
Apesar do bom resultado da inflação, Fed não deve parar por agora.
O Fed se reúne nos próximos dias 31 de janeiro e 01 de fevereiro para deliberar sobre a política monetária. A expectativa é de um aumento de 25 bps. Mesmo com a inflação em tendência de queda, o núcleo ainda se encontra distante da meta de 2%. Além disso, na ata da última reunião foi possível notar que nenhum dos dirigentes do Fed prevê cortes nas taxas de juros em 2023. A avaliação de momento é que o Fed fará o possível para garantir a convergência da inflação à meta antes de encerrar o ciclo de aperto monetário. Portanto, nossa expectativa é de mais três altas de 25 bps, contando com a alta na reunião de fevereiro. Com isso, a taxa de juros ficaria em 5,50% até o quarto trimestre de 2023, quanto o Fed deve começar a avaliar o início do ciclo de cortes.
China
A economia chinesa cresceu em uma das taxas mais lentas em décadas no ano passado. A política de tolerância zero com a Covid causou repetidos bloqueios que atingiram famílias e empresas. Com isso, o PIB chinês cresceu 3% em 2022, abaixo da meta oficial do governo, que era de 5%. Excluindo 2020, foi o pior resultado desde 1976.
Atividade econômica desacelerou ainda mais em dezembro. A produção industrial aumentou 1,3% na comparação anual, abaixo dos 2,2% observados em novembro. As vendas no varejo caíram 1,8% na comparação anual, após uma queda de 5,9% em novembro. A flexibilização no combate à covid feita no início do mês impediu uma contração mais forte no varejo, mas não foi suficiente para gerar crescimento, o que sugere que a população ainda está receosa com a possibilidade de ser infectada pelo vírus.
Reabertura da economia chinesa ainda é incerta.
O desempenho da China será um dos grandes temas da economia global para 2023. A reabertura é certa, o governo chinês dificilmente voltará atrás em relação à política de tolerância zero. Em um primeiro momento, o impacto é dúbio. Até que a população se acostume ao novo normal e o governo consiga acelerar a vacinação, a ponto de reduzir o número de casos e mortes, deveremos observar uma espécie de lockdown endógeno, com a população se resguardando de maneira autônoma. Uma vez superado esse momento, a economia chinesa tende a ser uma força de demanda global em 2023, a partir do segundo trimestre.
Recuperação do setor aéreo chinês indica normalização da atividade econômica.
Nesse momento, vemos o número de voos diários na China aumentando consideravelmente, já superando os níveis observados em 2021 e 2022 nesse período do ano, e se aproximando dos níveis pré-pandemia. Naturalmente, com a retirada das restrições de mobilidade, o volume de pessoas circulando aumenta. Essa tendência pode se mostrar uma força altista para as commodities, especialmente petróleo.
Cenário de recessão global é um risco para a tese da reabertura chinesa.
A expectativa é de forte desaceleração econômica nos Estados Unidos e na Europa, com capacidade de induzir uma desaceleração global. Portanto, o eventual impacto positivo da reabertura chinesa pode ser neutralizado pela desaceleração do resto do mundo. A favor da tese de reabertura temos o fato de que muito dinheiro foi colocado na mão dos consumidores chineses, que só terão a oportunidade de gastá-lo agora. Por outro lado, não devemos observar um impulso vindo de crédito, e a saúde do setor imobiliário chinês ainda demanda muita cautela. Do ponto de vista de uma alocação estratégica, faz sentido uma pequena exposição a equities chinesas para surfar um eventual boom no mercado interno chinês.
Europa
Economia europeia suspira em novembro.
Tanto as vendas no varejo quanto a produção industrial avançaram em novembro. O volume de vendas subiu 0,8% na comparação com outubro, mas ainda apresenta forte retração na comparação anual, -2,8%. O resultado indica um maior otimismo do consumidor europeu, com o avanço sendo puxado pela alta de 1,6% no volume de produtos não alimentícios. A produção industrial aumentou em 1% na comparação com outubro e 2% na comparação com novembro de 2021. O resultado foi fruto de alta de 1% na produção de bens de capital e de 0,8% na produção de bens intermediários. Por fim, a taxa de desemprego na zona do Euro foi de 6,5% em novembro, estável na comparação com outubro. Em novembro de 2021, a taxa de desemprego era de 7,1%. À medida que a taxa de juros europeia aumenta, devemos observar uma piora na margem no mercado de trabalho europeu.
Inflação surpreende em dezembro.
A inflação na zona do euro foi de 9,2% (a.a) em dezembro, abaixo dos 10,1% observados em novembro. A surpresa baixista foi devido à forte desaceleração nos preços de energia, que saíram de uma alta de 34,9% em novembro para uma alta de 25,7% em dezembro. Todos os outros componentes aceleraram em relação a dezembro. Isso explica o núcleo ter vindo acima do esperado, com alta de 5,2% ante expectativa de 5%.
Banco Central Europeu deve seguir hawkish.
O fato de o núcleo da inflação ter acelerado e vindo acima do esperado, combinado com as fortes declarações da Lagarde na última decisão, sugere que a política monetária do banco central europeu deve permanecer restritiva para os próximos meses. Basicamente, o BCE é o Fed com uma defasagem de 6 meses. É um dos bancos centrais mais atrás da curva nesse momento e com uma inflação ainda bastante elevada. Portanto, o aperto monetário ainda está longe do fim e devemos observar uma taxa terminal acima da precificada pelo mercado nesse momento. Com isso, uma recessão na zona do euro parece inevitável, tendo em vista que a economia já desacelerava antes do BCE iniciar o ciclo de alta. Para a próxima reunião, no dia 02 de fevereiro, a expectativa é de uma alta de 50 bps.
Japão
Política monetária japonesa foi um grande tema no último mês.
No dia 20 de dezembro, o banco central japonês (BoJ) anunciou de maneira inesperada o aumento na banda de negociação para os títulos de 10 anos, de 25 bps para 50 bps.
Política monetária japonesa é expansionista há décadas.
O BoJ foi o percussor do Quantitative Easing e o fazia em larga escala, a tal ponto que o banco central japonês se tornou o principal comprador de bonds japoneses chegando a deter mais de 50% dos títulos. Então, se continuassem realizando QE o mercado de bonds simplesmente deixaria de existir. Para manter os yields dos títulos de 10 anos controlados, o BoJ deixou de utilizar uma medida quantitativa (QE) e passou a utilizar uma medida qualitativa, o controle da curva de juros (YCC).
O mercado de bonds japonês apresenta mal funcionamento.
Títulos de prazos menores são negociados com yields superiores ao do bond de 10 anos. Em parte, o movimento do BoJ foi para tentar remediar isso, entretanto, como vemos no gráfico abaixo, a medida não foi bem-sucedida. Após um breve período em que o bond de 10 anos foi negociado acima do de 8 e 9 anos, atualmente ele é negociado bem abaixo, com um spread de 11 bps em relação ao bond de 8 anos.
Para 2023, a expectativa é que o BoJ se torne mais hawkish.
Entretanto, na primeira reunião de política monetária do ano, o BoJ decepcionou aqueles que esperavam uma postura mais dura, ao manter a política monetária completamente inalterada. O Japão vem, há décadas, tentando superar a deflação crônica e estabilizar a inflação ao redor de 2%. E atualmente o núcleo da inflação japonesa está bem acima desse valor. Além disso, começam a surgir sinais de inflação salarial, que será o principal fator para uma eventual mudança de rumo na política monetária.
O fato do presidente do BoJ estar em fim de mandato pode ajudar a racionalizar a última decisão.
Os indícios são de que a inflação japonesa forçará uma normalização na política monetária. Alia-se a isso o fato de que o BoJ se preocupa em manter o bom funcionamento do mercado de bonds. Nesse sentido, foi anunciado que os bancos japoneses podem obter financiamento de 10 anos a taxas negativas diretamente do BoJ, de maneira a incentivar os bancos a comprarem os títulos de 10 anos, facilitando o trabalho do banco central. Portanto, essa decisão pode ter sido uma forma de deixar a “casa arrumada” para o próximo presidente, que, assim, teria condições de normalizar a política monetária.
Iene continua altamente desvalorizado.
A decisão de manter a política monetária inalterada colocou pressão sobre a moeda, mas ela rapidamente voltou a ficar abaixo de 130. A expectativa para 2023 continua sendo de uma valorização do iene perante o dólar, justamente pelas pressões inflacionárias que devem forçar uma normalização da política monetária ao longo do ano, provavelmente em momento em que o Fed já terá encerrado seu ciclo de alta. Do ponto de vista de uma alocação estratégica, uma posição long em iene pode ser mostrar bastante interessante.
Dólar no mês
De acordo com o índice DXY, o dólar acumula perdas de 9,5% desde o pico de outubro de 2022.
Com a inflação cedendo e a atividade se mantendo em níveis robustos, apesar da desaceleração, aumentam as apostas de um soft landing, ou seja, de que o Fed será capaz de desinflar a economia sem causar uma recessão. Ao mesmo tempo, os investidores se mostram mais otimistas com economias emergentes devido à expectativa da China ser um grande motor de crescimento global em 2023. Portanto, para essa tendência de enfraquecimento do dólar se manter, será necessário que o resto do mundo apresente desempenho econômico mais robusto que os EUA, atraindo capital estrangeiro.
É uma tese arriscada. Para ser bem-sucedida, ela precisa que a economia americana não entre em recessão e que a China seja capaz de crescer de maneira robusta, puxando os emergentes consigo. São muitas variáveis. Além disso, um soft landing nunca foi observado em nenhuma outra vez na história em que um banco central realizou o aperto monetário na intensidade em que o Fed o faz agora. Portanto, para essa tese dar certo, seria o caso de “this time is different”, o que quase nunca é o caso.