Cenário base para a economia internacional ainda é de recessão
Com o aumento coordenado das taxas de juros dos principais bancos centrais do mundo, existem claros sinais de desaceleração econômica. O aperto monetário tem sido capaz de desacelerar a inflação, principalmente nos Estados Unidos, entretanto, ela ainda permanece em patamar elevado, o que torna o cenário de taxas de juros elevadas por mais tempo bastante provável, o que, por sua vez, eleva a probabilidade de desaceleração econômica mais forte. A ata da última reunião valida essa visão, e os investidores estrangeiros parecem estar se dando conta disso. Por outro lado, a economia chinesa, dessincronizada com o ciclo global, atua como um contraponto frente a esse cenário de desaceleração. Entretanto, a dinâmica da aceleração da economia chinesa com a economia mundial é incerta. É possível que a China atue como uma força expansionista, impedindo um cenário de recessão severa. Mas também é possível que a desaceleração global contamine a economia chinesa e mitigue seu ímpeto expansionista. Portanto, a conjuntura demanda cautela, e os fundamentos macro serão muito importantes para navegar nesse cenário em 2023.
Estados Unidos
Economia americana apresentou resultados surpreendentes em janeiro. Os dados de mercado de trabalho vieram muito fortes, registrando a adição de mais de 500 mil empregos em janeiro, contra expectativa de 180 mil novas vagas. Com isso, a taxa de desemprego recuou para 3,4%, a menor desde 1969. Outro dado surpreendente foram as vendas no varejo que avançaram 3% em janeiro, após um recuo de 1,1% em dezembro. O resultado é consistente com os dados de mercado de trabalho. Com o aumento do emprego, aumenta-se a renda disponível, e consequentemente o consumo. Mas é justamente esse aumento na demanda que pode ligar um sinal de alerta no Fed. Por outro lado, a produção industrial ficou estagnada em janeiro, havendo diminuição na capacidade utilizada, sugerindo que os produtores antecipam uma diminuição na demanda para os próximos meses.
Inflação de janeiro vem em linha com esperado. Com alta de 0,5% frente a dezembro, a inflação alcançou 6,4% na taxa anualizada, abaixo dos 6,5% observados em dezembro. O resultado do mês foi puxado pelos itens de habitação, que responderam por 50% da variação do mês. Energia também contribuiu para o avanço, com alta de 2% puxada por gasolina e gás de cozinha.
Resultado valida o atual curso de ação do Fed. Powell já afirmou que analisa a inflação utilizando três métricas: núcleo, habitação e núcleo ex-habitação. O núcleo registrou alta de 0,4% em janeiro e continua sua tendência de queda, fruto do direcionamento da demanda para serviços e normalização da oferta. Entretanto, esses efeitos parecem perder força, dada a queda mais lenta. Habitação ainda veio forte em janeiro, registrando alta de 0,7%, mas é um componente muito defasado, refletindo desenvolvimentos do mercado imobiliário de meses atrás. Atualmente, o mercado imobiliário tem desacelerado rapidamente, afetando inclusive os aluguéis, cujos novos contratos têm convergido mais rápido para o patamar de 2%. Por fim, o núcleo ex- habitação acelerou frente a dezembro, alcançando 3,9% na taxa anualizada. Esse último indicador é importante para o Fed devido à sua correlação com a inflação de salários. Portanto, analisando essas três métricas, não podemos concluir que há sinais inequívocos de que um processo sustentado de desinflação está ocorrendo, muito em parte devido ao mercado de trabalho aquecido.
Cenário de soft landing se torna mais improvável. O mercado de trabalho aquecido em conjunto com a inflação cedendo mais devagar do que se gostaria implica que estamos no cenário de higher for longer, ou seja, que o Fed terá que manter a taxa de juros acima de 5% ao longo de praticamente todo o ano de 2023. Convém lembrar que o mercado de trabalho é bastante defasado e em quase todas as recessões a taxa de desemprego atingiu valores mínimos dentro do ciclo pouco antes da recessão estourar. Nesse contexto, o tão aguardado pivot do Fed só ocorrerá quando observarmos destruição de empregos na economia americana. E quando isso acontecer, pode ser tarde demais.
Fed ainda deve realizar mais duas altas na taxa de juros antes de se tornar data dependent. Na reunião de fevereiro, Powell deixou claro que acredita que pelo menos mais duas altas serão necessárias. Portanto, nosso cenário base é que o Fed realizará mais duas altas de 25 bps, levando a taxa de juros a 5,25%. A partir daí, o Fed se tornará data dependent, ou seja, irá pautar suas ações de acordo com a divulgação dos dados econômicos. A ata da reunião, divulgada recentemente, mostra que o comitê está bastante preocupado com o atual processo inflacionário, mas não a ponto de acharem necessário reacelerar o ritmo de ajuste.
Isso valida ainda mais o cenário de higher for longer. Após a divulgação da ata, o mercado financeiro americano parece ter acordado para o fato de que o Fed pretende manter as taxas de juros em patamar restritivo. Com isso, observamos uma piora considerável no humor dos investidores lá fora. Portanto, dado o contexto, o nosso cenário base ainda é de uma recessão na economia americana nos próximos meses.
China
A reabertura econômica chinesa é um fato, mas tem sido mais lenta que o esperado. Após o período de comemorações do ano novo chinês, a atividade econômica normalizou. Entretanto, dados preliminares sugerem que o crescimento da atividade econômica ainda engatinha. Um pré-requisito para a rápida recuperação da economia chinesa é uma forte expansão de crédito. De fato, a expansão do crédito em janeiro ficou acima da expectativa, mas focada no crédito empresarial, enquanto o crédito às famílias recuou na comparação anual, sugerindo uma demanda interna ainda enfraquecida.
Há sinais claros de normalização da mobilidade.
Dados de tráfego em estradas e metrôs já estão em níveis similares a 2019. O número de voos diários aumentou consideravelmente em 2023 e já se estabilizou no patamar observado em 2019, sugerindo plena recuperação do setor.
Outro ponto de atenção são as fracas exportações na região. As exportações da região são bastante correlacionadas com o ciclo econômico chinês, especialmente as exportações coreanas. Entretanto, as exportações coreanas não mostram sinais de recuperação, sugerindo que o eventual impacto da reabertura chinesa ainda não se fez presente.
Cenário de recessão global é um risco para a tese da reabertura chinesa. A expectativa é de desaceleração econômica nos Estados Unidos e na Europa, com capacidade de induzir uma desaceleração global. Portanto, o eventual impacto positivo da reabertura chinesa pode ser neutralizado pela fraca demanda do resto do mundo. A favor da tese de reabertura temos o fato de que muito dinheiro foi colocado na mão dos consumidores chineses, que só terão a oportunidade de gastá-lo agora.
Japão
Política monetária japonesa tem sido um foco de atenção nos últimos meses. Com a inflação japonesa acelerando e chegando a 4% na taxa anualizada, a política monetária excessivamente frouxa do banco central japonês tem ficado sob escrutínio. Em dezembro, o banco central japonês (BoJ) anunciou de maneira inesperada o aumento na banda de negociação para os títulos de 10 anos, de 25 bps para 50 bps, através da sua política de controle da curva de juros.
O mercado de bonds japonês apresenta mau funcionamento. Títulos de prazos menores são negociados com yields superiores ao do bond de 10 anos. Em parte, o movimento do BoJ foi para tentar remediar isso, entretanto, como vemos no gráfico abaixo, a medida não foi bem-sucedida. Após um breve período em que o bond de 10 anos foi negociado acima do de 8 e 9 anos, atualmente ele é negociado bem abaixo, com um spread de 11 bps em relação ao bond de 8 anos.
Mudança no comando do BoJ pode sinalizar uma mudança nos rumos da política monetária em 2023. O mandato do atual presidente se encerra em abril e na última semana o governo japonês escolheu o economista Kazuo Ueda para comandar a instituição a partir do dia 8 de abril. Ueda é um economista acadêmico que já foi diretor do BoJ e tem sido crítico da política de controle da curva de juros. Sua escolha sinaliza que o governo japonês não está satisfeito com a atual política monetária.
Para 2023, a expectativa é que o BoJ se torne mais hawkish. Entretanto, apesar de crítico da política de controle da curva de juros, não devemos observar uma mudança brusca no rumo da política monetária, ou seja, um intenso ciclo de alta é improvável.
Iene continua altamente desvalorizado. A política monetária japonesa está dessincronizada com a do resto do mundo, o que colocou pressão sobre o iene ao longo de 2022. A expectativa para 2023 é de uma valorização do iene perante o dólar, justamente pelas pressões inflacionárias que devem forçar alguma normalização da política monetária ao longo do ano, provavelmente em momento em que o Fed já terá encerrado seu ciclo de alta.
Dólar no mês
Dólar recupera terreno em fevereiro, mas ainda acumula perdas de 7% desde o pico de outubro de 2022. Dólar vinha perdendo força com a expectativa do mercado de que o Fed estivesse próximo de encerrar o atual ciclo de alta. Entretanto, os fortes dados do payroll de janeiro e a sinalização de que o Fed irá dar pelo menos mais duas altas na taxa de juros, fez com que o dólar ganhasse força nas últimas semanas.
Fortalecimento pode se intensificar nas próximas semanas. Com os dados de inflação dentro da expectativa, as atenções estarão voltadas para a próxima divulgação do payroll, que sai antes da próxima reunião do FOMC. Caso o mercado de trabalho continue adicionando emprego a taxas robustas, as pressões por juros maiores podem aumentar, fortalecendo o dólar.
Uma carteira global macro
O cenário internacional é bastante delicado e enseja muita cautela. Mas isso não quer dizer que não existam alocações táticas interessantes que possam ser aproveitadas.
Estamos lançando uma carteira global macro focada em aproveitar tendências macroeconômicas. A carteira será composta por ETFs disponibilizados na nossa Global Account, que permitirão ao investidor obter uma nova camada de diversificação, pouco correlacionada com o S&P 500, por exemplo.
Cada ativo escolhido será fundamentado por alguma tendência macroeconômica. A expectativa é que a tese de cada ativo se desenvolva ao longo de 3 a 6 meses, portanto, não é uma carteira de alta rotatividade, mas também não é uma carteira de longo prazo e demandará um acompanhamento regular. Compartilharemos a nossa visão mensalmente através dessa carta, assim como no material relativo ao acompanhamento da carteira.