Macroeconomia


Qual é a sua bandeira?

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Rafael Winalda

Publicado 29/jun20 min de leitura

Qual é a sua bandeira?

O mercado de distribuição de combustíveis no Brasil é bastante competitivo, com margens menores e gargalos de oferta consideráveis, além de impostos e uma dependência externa para compor a oferta nacional. Entretanto, três grandes empresas se destacam no setor: i) Vibra Energia, Postos Petrobras; ii) Ultrapar, Postos Ipiranga, e iii) Raízen, Postos Shell, as chamadas embandeiradas. Mas, em nossa opinião, a maior concorrência vem das “sem bandeiras”, marcas menores, e que tem avançado bastante no país.

Assim, elaboramos um estudo sobre o funcionamento do mercado de distribuição de combustíveis e as suas principais dinâmicas, afunilando desde a cadeia de oferta do setor, passando pela política de preços da Petrobras e adentrando as características das empresas.

Com relação à Vibra Energia, entendemos que existe espaço para evolução do preço de suas ações, e desta maneira iniciamos a cobertura recomendando Compra para VBBR3, com preço-alvo em $ 23/ação, visando o final de 2023, pautados na esperada manutenção de seus bons resultados, além de acreditarmos na baixa probabilidade de reestatização da empresa. O grupo Ultrapar, por sua vez, passou por uma forte valorização recentemente e, em nossa opinião, seu atual preço de mercado já está condizente com nosso preço-alvo de R$ 20/ação, o que leva a uma recomendação Neutra. A empresa tem passado por um turnaround no segmento de distribuição, mas atua também em outros businesses, com bons resultados.

Oferta x Demanda de combustíveis: qual é o equilíbrio?

Em nosso início de cobertura de Petrobras, abordamos os segmentos de exploração, produção e refino do setor de O&G, sendo a distribuição o último elo, o qual explanaremos neste relatório.

Como foi dito, o Brasil é um exportador líquido de petróleo bruto, ou seja, produz substancialmente quantidades além da demanda interna, sendo um fator favorável para a sua independência energética, bem como para a balança comercial e outros. Entretanto, as refinarias nacionais não conseguem processar toda a demanda local, fazendo necessárias importações, principalmente no que diz respeito ao diesel.

Em termos médios, um a cada quatro litros de diesel consumidos no Brasil é importado, enquanto menos de 10% é o equivalente para a gasolina. Diante da incapacidade de refino ante ao robusto consumo, as importações são um componente importante, e, por consequência, os preços internacionais afetam diretamente a dinâmica interna. Deve-se compreender que o importador adquire os combustíveis a preços internacionais, os quais devem ser remunerados pelo custo de aquisição, transporte, impostos e seu custo de oportunidade, e por fim serem revendidos a preços nacionais.

Neste contexto, a política de preços da Petrobras é de suma importância para manter o bom balanceamento entre oferta e demanda. Repassando pela história, lembramos do período anterior a 2017, quando a Petrobras passou a não seguir os preços internacionais, subsidiando combustíveis. Como foi explanado no IC da companhia, observou-se deterioração de resultados e elevação do endividamento, situação que levou a um cenário bastante desafiador. Posteriormente, vimos a instalação do PPI, o qual regia a política de preços da empresa, trazendo alívio aos resultados e margens da Petrobras e reconfigurando toda a dinâmica do mercado de distribuição brasileiro.

Houve a possibilidade da criação do chamado importador de combustíveis privado, que competiria com a Petrobras, adquirindo produtos no mercado externo e revendendo internamente. Com o bom funcionamento do PPI e o crescimento do independente, o mercado funcionou de forma regular. Entretanto, o Covid-19 e o conflito entre Rússia e Ucrânia desbalancearam a oferta de combustíveis global, pressionando as cadeias e elevando os preços das commodities, em especial as energéticas.

Os repasses tornaram-se cada vez mais complexos, com crescente pressão à gestão da Petrobras, incluindo trocas repentinas de presidentes. Embora a política não tenha sido alterada, mantendo o PPI, os repasses tornaram-se cada vez mais espaçados, com defasagem elevada em certos momentos. Assim, com a chegada do atual governo, foi decretado o fim do PPI, via anúncio da nova política de preços. Em nosso relatório sobre este assunto, debatemos que no curto prazo não houve alteração significativa, mas existem diversos questionamentos se porventura os preços voltarem a subir, tal como qual será a postura da Petrobras? Haverá repasse de preços preservando o bom funcionamento do mercado ou os subsídios anteriores?

E neste contexto estão inseridas as distribuidoras de combustíveis, em uma guerra de preços, na qual o mercado é altamente dependente da Petrobras e suas diretrizes, com pouca margem de manobra.

A guerra de preços: qual a sua bandeira?

Abordando o mercado de distribuição diretamente, o Brasil possui atualmente três grandes marcas: i) Vibra Energia, com Postos Petrobras; ii) Ultrapar, dona dos Postos Ipiranga, e iii) Raízen, responsável pelos Postos Shell. Estas são comumente chamadas de embandeiradas, ou seja, possuem suas marcas/bandeiras, e das quais trataremos de suas particularidades de forma individual. Mas, em nosso entendimento, o maior concorrente acaba sendo as distribuidoras “sem bandeiras” de forma agregada, aqueles que não possuem marcas tão famosas nacionalmente, mas que geralmente atuam mais regionalmente.

Nossos estudos são feitos com base nos dados da ANP, que faz a coleta. Porém, os números em relação aos postos/bandeiras podem apresentar um delay em relação a declaração junto ao órgão e divulgação destes dados. Isso explica, em partes, a divergência entre o que é declarado pela ANP e os números de postos que cada empresa computa em sua base.

Nos gráficos a seguir, é perceptível o aumento do share dos sem bandeiras, principalmente quanto à venda de gasolina, correspondente a quase 40% do mercado brasileiro. Por sua vez, no diesel, onde o volume total consumido é maior, as sem bandeiras detêm share médio de 35%.

Dois fatores são primordiais no mercado de distribuição: logística e preços. Um franqueado ao embandeirar o posto de gasolina, conta com toda a logística de distribuição que as três principais empresas podem oferecer na região, estabilidade na entrega de combustíveis, custos potencialmente menores, bem como outros pontos estabelecidos em contrato. Tais pontos não são de se desprezar, visto que o jogo no setor de distribuição é o de possuir a melhor infraestrutura, com menores custos. Por outro lado, o empreendedor sem bandeira pode gerir a aquisição de combustíveis com quaisquer fornecedores, comprando a preços de mercado, que porventura podem ser mais vantajosos, porém correndo o risco de desabastecimento.

Outro ponto importante mencionado é o preço de revenda. A bandeira é vista pelo consumidor final como sinônimo de qualidade dos combustíveis, o que favorece a busca por estas marcas, visto que combustíveis de má qualidade implicam em deterioração do veículo ou uma performance inferior do motor, levando a menor economia ao longo do tempo.

Assim, os postos embandeirados detêm um maior poder de precificação. Para confirmar isso, pegamos a média de preços de cada uma das embandeiradas por regiões, por tipo de combustível, e subtraímos pela média dos preços de todas as sem bandeiras. Nos gráficos a seguir, observamos que na maior parte do tempo as embandeiradas têm preços mais elevados em cerca de R$ 0,05 a R$ 0,15. E a pergunta “quantos KM você percorreria por uma gasolina mais barata vis-à-vis um risco der ter uma qualidade inferior?” fica em evidência.

Existe também uma alta competição para possuir os postos localizados nos melhores pontos, onde o volume de venda é mais alto e neste sentido se torna comum a prática de pagamentos de bônus a franqueados nestas regiões.

Assim, o empreendedor no ramo de postos de gasolina, então, ora se aventura no mercado sem bandeira, ora embandeira seu posto, optando pelo melhor custo x retorno na região. As distribuidoras, por sua vez, têm focado cada vez mais em não ter seus postos próprios, mas fornecer combustíveis aos postos terceirizados de sua bandeira ou mesmo aos sem bandeira, focando em redução de custos, melhora logística e outros fatores.

Vibra Energia: a premium

Em meados de 2021, a Petrobras revendeu sua fatia de 37,5% da antiga BR Distribuidora, dando início a nova fase da Vibra Energia, empresa que nasceu como a maior do segmento de distribuição de combustíveis. Em seus tempos de estatal, seus desafios eram consideráveis, com dificuldade para crescer, bem como alocar capital de forma eficiente. Era também presa aos preços da Petrobras e suas margens acabavam afetadas diretamente pela instabilidade na política de preços.

Atualmente, atribuímos baixa probabilidade de reversão de empresa privada à estatal. A empresa conta com mais de 8,4 mil postos espalhados por todo o Brasil, com quase 100 unidades operacionais e quase 90 parques de abastecimento para aeronaves.

Diante de toda essa infraestrutura logística em nível nacional, a empresa recorta o fornecimento em três grandes mercados, sendo eles redes de postos, B2B e aviação, onde lubrificantes, renováveis e outros correm por fora. Certamente, a rede de postos é responsável pelos maiores resultados financeiros, dada toda sua capilaridade. Em segundo nível, o B2B é um componente relevante dos seus resultados, porém bastante dependente da evolução da economia. No mercado aéreo, por sua vez, a empresa conta com ampla participação, sendo referência no segmento.

Desde 2017, contudo, observa-se que os volumes totais comercializados pela Vibra têm apresentado fraco desempenho, impactado fortemente pela pandemia, no qual vimos o vale destas operações, sendo os anos subsequentes de recuperação. O principal fator é o desempenho aquém do consumo, bem como da economia brasileira nestes últimos anos, que lida com inflação elevada e juros restritivos, mas é valido lembrar que a empresa perdeu market-share marginalmente neste período, vide os gráficos anteriores sobre o tema.

Diante deste cenário mais desafiador, vimos a margem bruta da companhia ser pressionada, principalmente em um setor onde elas já são menores naturalmente, apesar da margem EBITA ter permanecido estável, de certa forma, dada a evolução de sua eficiência operacional.

Contudo, uma métrica muito observada no setor (e em nossa opinião mais assertiva) é o resultado operacional-financeiro pelo volume distribuído. Em nossa visão, a Vibra tem empregado uma boa gestão deste indicador, com evolução considerável, conforme gráfico a seguir. Fatiando o EBITDA por volume por segmento, aviação tem sido um destaque positivo na janela mais curta, agregando valor aos resultados, reflexo da estratégia da empresa em também forcar neste mercado, além da parte de lubrificantes que vem ganhando tração.

Além da distribuidora, a Vibra possui investidas, com destaque para Comerc, empresa focada em geração de energia, na qual vemos potencial de crescimento a longo prazo. Embora já apresente resultados sólidos, não consideramos as companhias menores em nossas análises, por ainda agregarem pouco ao portfolio como um todo.

Acreditamos em um crescimento modesto, mas sólido, da companhia, e a vemos ainda como o principal player do mercado de distribuição de combustíveis do Brasil. Diante disto, aderente a uma taxa de desconto de 12%, uma margem fixa de R$ 0,13/litro, uma alavancagem de 70 Equity /30 Dívida e um crescimento na perpetuidade de 5% (levemente acima da inflação de longo prazo), vemos a companhia sendo negociada a um preço justo de R$ 23/ação, e iniciamos a cobertura de VBBR3 com Compra, visando o final de 2023.

Ultrapar: posto Ipiranga é logo ali.

O grupo Ultrapar possui mais de 80 anos de história, atuando em três grandes vertentes: i) Ipiranga, a distribuidora de combustíveis e postos de gasolina; ii) Ultragaz, focada na comercialização de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), o famoso gás de cozinha, e iii) Ultracargo, maior provedora de armazenagem para graneis líquidos do Brasil.

Recentemente, a empresa realizou desinvestimentos, com destaque para Oxiteno, especialista em tensoativos e químicos, e a Extrafarma, companhia farmacêutica que atua principalmente no Norte/Nordeste do país. Assim, o grupo ficou mais enxuto e concentrado nos businesses com maior capacidade de geração de valor ao acionista. O “carro-chefe”, certamente, é a distribuidora de combustíveis, que tem passado por um turnaround, no qual o grupo enxerga vasto espaço para melhora e redução de custos logísticos, onde, em nossa opinião, é o cerne deste jogo.

O grupo conta com mais de 6,7 mil postos em sua rede, mas é fato que o volume total de combustíveis distribuído não recuperou os patamares pré-pandêmicos, apesar de observarmos evolução. O consumo de combustíveis ainda está aquém, seja pelo desempenho econômico abaixo do esperado, seja pela alta dos preços reduzindo o consumo.

Certamente, o volume abaixo do potencial prejudica as margens operacionais da empresa que mesmo com a melhora recente, ainda não recuperou os níveis anteriores a pandemia. Entretanto, tal como Vibra, a métrica mais interessante no setor são os resultados operacionais-financeiros dividido pelo volume distribuído, os quais têm apresentado importante evolução. Acreditamos que isso já é resultado do processo de turnaround vivenciado pela empresa, onde o foco tem sido em processos e redução de custos logísticos.

Na mesma linha, outros números que indiciam a melhora da distribuidora são os resultados por postos e resultados por postos por volume que também demonstram a evolução do turnaround. Diante disto, em nossas projeções, vemos margens pouco inferiores a R$ 0,13/litro, nível bastante rentável para a companhia.

Em termos de crescimento, vemos pouco espaço orgânico. Esperamos que a os níveis de volume voltem aos patamares pré-pandêmicos e, após isto, tenham modesto crescimento, próximo a 2% ao ano. O consumo de diesel tem correlação forte com o PIB, enquanto a gasolina está atrelada à renda familiar e licenciamento de carros que, em nossa opinião, ainda devem seguir uma dinâmica mais modesta em vista aos correntes desafios, principalmente quanto aos níveis de inadimplência, crédito restrito e juros ainda em patamares elevados.

A Ultragaz, o segundo maior business da empresa, deve gerar quase R$ 1,6 bi de EBITDA em 2023. A companhia tem uma altíssima capilaridade, atendendo cerca de 11 milhões de domicílio em todo o país em mais de 3 mil municípios, com 39 bases operacionais. Vale destacar que a empresa tem focado bastante nos meios de digitalização, investindo em canais digitais e entregas rápidas.

Entretanto, vemos poucas oportunidades de melhoras significativas nos resultados, com a Ultragaz mais concentrada na manutenção destes, contando coma a capilaridade já alta, e ausência de grandes catalizadores para aumento do consumo.

Por fim, quanto à Ultracargo, que atua no segmento focado na armazenagem de combustíveis e químicos, lembramos que o Brasil em termos de infraestrutura é deficitário e tem vasta extensão territorial, tornando o business de armazenagem atrativo. A empresa possui terminais no Sudeste, com destaque para Santos, Norte e Nordeste. Apesar da relevância da Rede Ipiranga, a empresa atualmente conta com diversos outros clientes.

De forma geral, vemos espaço para crescimento neste segmento, mas não consideramos em nossa modelagem nenhum outro projeto além dos quais a empresa possui atualmente. Assim, o somatório destas três grandes esferas compõe o resultado do grupo Ultrapar, que deve continuar crescendo com a rede Ipiranga e mantendo os bons resultados da Ultragaz e Ultracargo.

Com a alta recente dos preços das ações, vemos os papéis do grupo Ultrapar bem precificados neste momento, com pouco espaço para upside diante do preço-justo que encontramos de R$ 20/ação, o que nos leva a uma recomendação Neutra, visando o final de 2023. Utilizamos um WACC de 12%, com um crescimento na perpetuidade de 5% e uma alavancagem de 60/40 entre capital próprio e terceiros.

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