Entramos em um novo ciclo de crédito, com um cenário macroeconômico bastante desafiador, após termos convivido com um longo período de juros baixos no Brasil. Entre 2018 e 2020, a taxa Selic média foi de 5% ao ano, abaixo até do que seria a taxa neutra, mais próxima de 6%. E, excepcionalmente entre 2020 e 2021, tivemos taxa de 2%, praticamente um experimento da nossa política monetária. Porém, não somente no Brasil os juros estiveram em patamar estimulativo, mas também globalmente os estímulos fiscais e monetários significaram uma injeção significativa de liquidez nos mercados.
E como observamos historicamente, períodos de elevada liquidez significam baixa inadimplência no mercado de crédito. A alta dos juros a partir de 2021 começou dentro do plano de normalização da política monetária, mas rapidamente fomos para um patamar bastante restritivo. Com novos choques inflacionários que se sucederam, os juros reais ex-post ainda ficaram em baixo patamar e a política monetária segue com uma defasagem além da usual.
O que esperar para os próximos meses? O impacto do aperto monetário deve ser sentido de maneira mais significativa nos próximos meses, com a desaceleração da concessão de crédito e consequentemente o aumento da inadimplência. O mercado mais competitivo, com o crescimento da participação das fintechs, e os bancos bem capitalizados devem diminuir o impacto negativo das restrições na oferta de liquidez, amenizando a elevação da inadimplência em comparação a outros períodos de alta de juros. No entanto, a inflação alta reduzindo o poder de compra do consumidor e o elevado endividamento das famílias são fatores que podem resultar em uma potencial deterioração do risco de crédito à frente.
Nesse relatório, trazemos um panorama da concessão de crédito bancário no Brasil, a evolução recente da inadimplência e uma análise do possível impacto nas principais instituições financeiras.
O que se esperava do cenário de crédito e o que mudou em 2022? Com o início da pandemia de covid-19 esperava-se que a inadimplência nos setores mais afetados pela baixa atividade poderia prejudicar em grande escala as instituições financeiras no país, principalmente via atrasos de empresas de pequeno e médio porte e pessoas físicas. Com isso, em 2020 houve maior provisionamento por parte dos bancos para se prevenirem de um cenário, naquele período, muito mais incerto. As despesas com provisões impactaram severamente os resultado das instituições financeiras refletindo no aumento do custo de risco, mas em compensação aumentando suas reservas para um cenário de futura deterioração da qualidade do crédito. Conforme os gráficos abaixo, as instituições que foram mais conservadoras em 2020 e realizaram maior provisionamento, como Itaú e Bradesco, ficaram com maiores indicadores de cobertura, mas que foram sendo consumidos ao longo do tempo pelo avanço natural do NPL Formation. Ainda assim, a inadimplência ao longo de 2021 ficou em nível abaixo da média histórica, e só voltou a aumentar após o 2S21, acompanhando o forte crescimento do crédito em PF.
Falando em inadimplência... Se acabamos de ver como os bancos se prepararam para um cenário adverso, precisamos observar como a inadimplência, que assustava durante o pico da pandemia, se comportou ao longo de 2020, 2021 e no 1T22. Em 2020, quando se esperava uma deterioração, ocorreu o contrário, muito por conta de medidas de postergação de parcelas e outras medidas de liquidez realizadas pelo BC, a inadimplência acabou permanecendo controlada e abaixo de níveis pré- pandemia, passando a buscar uma normalização a partir do 2S21. Naturalmente, o risco de crédito para o segmento de varejo (Pessoas Físicas e PMEs) é maior do que para empresas de grande porte, por isso é importante segregar os segmentos. Quando falamos das expectativas de aumento da inadimplência para 2022, estamos esperando uma deterioração concentrada no segmento PF. Uma breve observação sobre o atacado, é que temos visto um movimento comportado da inadimplência no segmento empresarial, que vem se utilizando de emissões no mercado de capitais para financiar as atividades. Voltando para o segmento PF, após um longo período estável em níveis abaixo do normal, a inadimplência no 1T22 atingiu níveis pré-pandemia, e a expectativa hoje é de uma deterioração da qualidade de crédito acima da média histórica nos próximos trimestres, agora por conta do aperto monetário e um cenário de menor liquidez disponível.
Bancos e fintechs com mais exposição a linhas de crédito de maior risco estão mais sensíveis ao cenário atual. Ao observarmos o comportamento da inadimplência em bancos e fintechs, é fato que a deterioração vem para todos, porém o que determina quem será mais impactado é sua exposição a linhas de maior risco no segmento Pessoa Física. Conforme os gráficos abaixo, vimos que em 2021 as carteiras de crédito avançaram dois dígitos nos bancos incumbentes e no caso das fintechs, seguiram um ritmo de alto crescimento, mas mantiveram uma tendência de desaceleração em ambos os casos a partir do 2S21, e esperamos que seja mais acentuada em 2022 com a elevada taxa de juros, que costuma apresentar um ano de atraso para surtir efeito.
Porém, quando observamos a evolução da carteira de crédito no segmento de pessoas físicas, o movimento na demanda é mais sensível à taxa de juros. Após a alta na taxa de juros (com delay de um ano), o crescimento das concessões tende a desacelerar, movimento que entendemos deve continuar ao longo de 2022, seguindo as sucessivas altas que observamos ao longo de 2021 apresentando maiores efeitos em 2022.
Neste sentido, entendemos que as instituições financeiras mais expostas às linhas de crédito mais arriscadas no varejo devem sentir maiores efeitos, tanto de desaceleração do crédito quanto de inadimplência.
Por fim, dado ao ambiente macroeconômico mais desafiador para o ano, com maior inflação, elevado nível de endividamento das famílias e taxa de juros em patamar restritivo, esperamos que a inadimplência continue aumentando após o 1T22. Como podemos ver nos casos abaixo, players mais expostos com a carteira Pessoa Física, principalmente a créditos de pior qualidade como cartão de crédito e crédito pessoal, tendem a ser mais sensíveis em ambiente de deterioração da qualidade do crédito.
Spreads podem compensar. Se por um lado esperamos um cenário de maior risco, por outro as taxas de juros das operações de crédito devem evoluir, acompanhando o movimento da Taxa Selic, o aumento do custo do risco e a troca de mix das carteiras de crédito, que vem aumentando em linhas mais arriscadas como cartão de crédito rotativo, cheque especial e crédito pessoal não consignado. Foi o que vimos no 1T22 nos resultados das instituições financeiras, as margens com clientes já mostram este movimento de elevação das taxas, o que tende a atenuar maiores pressões de perdas de crédito. Bancos e fintechs mais expostos ao varejo com linhas mais rentáveis devem observar também maior elevação nas margens com clientes.