Bons ventos para 2024?
Levando em conta o cenário hidrológico atual, o nível de preços de energia em patamares mínimos e o começo do fenômeno El Niño, revisamos nossas recomendações para as empresas de geração sob nossa cobertura. Vemos que a Omega (MEGA3) pode ser beneficiada pela maior safra de ventos no Nordeste, a Engie (EGIE3) continua como um case bastante interessante por causa de sua diversificação de portfólio e, por fim, decidimos rebaixar a AES Brasil (AESB3) para neutro.
A matriz elétrica brasileira possui cerca de 196 GW de capacidade instalada de geração, sendo composta principalmente pela fonte hidrelétrica (59%), seguida das usinas térmicas (22%), eólicas (14%) e solar (5%). Desse modo, a produção de eletricidade no país é altamente dependente do clima e de variáveis meteorológicas, como é o caso das usinas hídricas que estão sujeitas aos volumes de chuvas que impactam na afluência dos rios e os níveis dos reservatórios. O mesmo vale para a geração eólica, que segue o padrão da velocidade dos ventos no local em que os parques estão instalados.
Em 2021, o Brasil passou por uma crise hídrica severa, a pior dos últimos 91 anos, levando os reservatórios no subsistema SE/CO, que concentra 70% da capacidade de armazenamento de água do país, a níveis extremamente baixos. O GSF (Generation Scaling Factor) que é obtido pelo quociente entre o volume de energia produzido e a garantia física das usinas hidrelétricas do país (garantia física sendo a energia assegurada ou quantidade máxima de energia elétrica de uma determinada usina que pode ser comercializada), chegou a 73% em 2021, valor mais baixo desde 2001.
Uma das causas da piora do quadro hidrológico foi a ocorrência do La Niña, um fenômeno natural que se manifesta devido a um esfriamento das águas do Pacífico Equatorial, causando estiagens nas regiões Sul e Sudeste, onde concentram-se as maiores usinas hídricas/reservatórios do Brasil.
O ONI é o principal indicador do NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) para monitorar El Niño e La Niña, que são fases opostas do padrão climático chamado El Niño-Oscilação Sul, ou “ENSO”. O NOAA considera que as condições de El Niño estão presentes quando o ONI é +0,5 ou superior, indicando que o Pacífico tropical leste-central está significativamente mais quente que o normal. As condições de La Niña existem quando o ONI é -0,5 ou inferior, indicando que a região está mais fria do que o normal. O gráfico a seguir mostra a série histórica do Oceanic Niño Index desde 1998 até junho de 2023.
Esse cenário de crise hídrica ficou para trás no ano de 2022, com o aumento do volume de chuvas e afluência dos cursos d’água levando os reservatórios aos maiores níveis desde 2012. Com a hidrologia favorável, os preços de energia foram pressionados e atualmente se encontram em patamares bem baixos. Segundo números da Dcide, o preço da energia convencional de longo prazo está em R$ 87,76/MWh, queda anual de 47%. Já a energia incentivada, está em R$ 119,12/MWh (-40% a.a.)
Um outro fator que contribui para reduzir os preços para novos contratos é a sobreoferta com a velocidade da expansão de fontes eólicas e solares recentemente. Segundo a ANEEL, há cerca de 140 GW previstos de novas ofertas até 2029, equivalente a 70% da atual capacidade instalada do país. Como a demanda de energia não vem acompanhando essa oferta, os preços tendem a continuar mais baixos, podendo inviabilizar alguns projetos. As empresas de geração com níveis de contratação elevado estão mais protegidas dos preços pressionados.
Além disso, após três anos, o La Niña chegou ao fim e o fenômeno oposto, o El Niño, dá sinais de formação. Ao contrário do La Niña, o El Niño representa o aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial. Segundo o NOAA, o fenômeno se estabeleceu no oceano em junho de 2023 e há previsão de que as condições se fortaleçam nos próximos meses. O El Niño eleva o risco de seca e aumento no volume de ventos na região Nordeste, além da ocorrência de chuvas intensas no Sul do País. O gráfico abaixo mostra o Oceanic Niño Index durante os anos de 2000 a 2022 e a linha vermelha sinaliza o ano de 2023.
Nesse cenário, revisamos as nossas estimativas para as geradoras em nossa cobertura e atualizamos o nosso modelo de fluxo de caixa descontado, de forma a incorporar: (i) novos projetos; (ii) nossas premissas macroeconômicas atualizadas; (iii) preços de energia de longo prazo mais baixos e (iv) transferência do horizonte de investimento do final de 2023 para o final de 2024. É preciso ressaltar que na modelagem, a receita das companhias é derivada dos contratos de venda no ACL e ACR, não sendo incluídas as receitas e os custos provenientes de operações de compra de energia para revenda, por isso verifica-se a redução brusca na linha de custos e aumento das margens das empresas.
Omega Energia
Nesse contexto de preços pressionados, vemos a Omega mais protegida, pois a empresa está com nível de contratação bastante elevado (mais de 90% contratada até 2031), oferecendo maior previsibilidade de receita proveniente de PPAs de longo prazo. O preço médio dos contratos da empresa está em torno de R$ 230/MWh, sendo R$ 205/MWh para acordos no Ambiente de Contratação Livre (ACL) e R$ 255/MWh para o mercado regulado (ACR).
Com a chegada do El Niño, a provável melhora dos recursos eólicos durante o segundo semestre de 2023 e início de 2024 pode favorecer a Omega, com possível melhora de suas margens já que a geração de energia deverá ser suficiente para honrar os contratos, sem a necessidade de recorrer ao mercado de curto prazo. A Omega sofreu bastante nos últimos anos com ventos abaixo da média histórica afetados pelo La Niña e Dipolo do Atlântico que influenciam o clima no Nordeste, região que concentra a maior parte de seus parques eólicos.
No nosso modelo, incluímos os projetos Assuruá 4 e 5, dois parques eólicos localizados na Bahia, com capacidade potencial de 455 MW, porém ainda não incorporamos o complexo Goodnight 1, primeiro empreendimento fora do país, localizado no Texas, com 265 MW de capacidade potencial, e um Capex previsto em até US$ 300 mm. Mantemos nossa recomendação de Compra para MEGA3, mas atualizamos nosso preço alvo de R$ 15/ação para R$ 14/ação, visando o final de 2024.
As outras geradoras em nossa cobertura, Engie e AES Brasil, são mais conhecidas como geradoras hídricas por possuírem expressivos portfólios de usinas hidrelétricas. Ambas as empresas também estão bem contratadas para os próximos três anos, porém, comparado com a Omega, elas estão mais expostas caso os preços baixos de energia perdurem por mais tempo.
Engie
A Engie pode ser afetada caso os preços mais baixos perdurem ao longo dos próximos anos, porém temos preferência pela empresa, por causa de sua maior diversificação e exposição a outros negócios. O preço médio do portfólio da Engie se encontra em R$ 220/ MWh (incluindo operações de trading, líquido de ICMS e impostos sobre a receita (PIS/Cofins, P&D).
A Engie é uma das maiores operadoras privadas do setor de energia elétrica no país. Com aproximadamente 8,5 GW de capacidade instalada, a companhia representa cerca de 4,5% do SIN. Em relação à energia elétrica, atua nos segmentos de geração e comercialização, além de possuir três projetos de linhas de transmissão com duas já concluídas e energizadas e uma em fase de construção. No mês de junho, a empresa arrematou o lote 5, o terceiro maior do leilão de transmissão 01/2023. Por fim, a Engie também atua no transporte de gás natural, por meio da TAG, subsidiária que o grupo detém 33% do capital social. A TAG vem apresentando desempenho positivo nos resultados e contribuindo para criação de valor na companhia.
No modelo, atualizamos as garantias físicas e os preços dos contratos, além de incorporarmos os projetos eólicos Santo Agostinho Fase 1 e Serra do Assuruá, bem como o parque solar Assú do Sol. Mantemos nossa recomendação de Compra para EGIE3, com novo preço-alvo em R$ 49 por ação, visando o final de 2024.
AES Brasil
A maioria dos contratos da AES Brasil são no ACL e possuem menor duração, por isso vemos a empresa como a mais afetada pela pressão recente nos preços. O preço médio dos contratos da empresa está em torno de R$ 197/MWh, sendo R$ 171/MWh para acordos no ACL e R$ 213/MWh para o ACR.
A AES Brasil cresceu de forma expressiva e rápida nos últimos anos e para isso contou com elevados investimentos, que resultaram em uma alta alavancagem. Atualmente, o indicador dívida líquida/EBITDA se encontra em torno de 6,5x e a empresa possui uma projeção de Capex para o ano de 2023 em torno de R$ 3 bilhões. A partir de 2024 e 2025, quando os projetos eólicos em construção entrarem em operação, esperamos que o fluxo de caixa apresente melhora e a empresa passe por um período de desalavancagem.
No modelo, atualizamos as garantias físicas e os preços dos contratos, além de incorporamos novos PPAs de Tucano e Cajuína. Acreditamos que a empresa está bem precificada e não enxergarmos triggers relevantes no momento, além de vermos uma baixa oportunidade de ganhos no papel, por isso decidimos rebaixar nossa recomendação para Neutro para AES Brasil (AESB3), atualizando o preço alvo de R$ 17/ação para R$ 12/ação, visando o final de 2024.