Macroeconomia


Criptoworld | O que são CBDCs

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Vitor Martins Carvalho

Publicado 07/abr10 min de leitura

Introdução

Sabemos que a pandemia acelerou o processo de digitalização de diversos setores na economia. O setor financeiro não foi excluído dessa tendência. Instituições financeiras tiveram que investir significativamente em suas plataformas virtuais a fim de reduzir a dependência de agências físicas. Simultaneamente, observamos uma rápida adoção de outros ativos digitais, como criptomoedas e NFTs. Como consequência, as autoridades monetárias de todos os lugares no mundo notaram a necessidade de atualizar sistemas de pagamento utilizados, muitas vezes considerados arcaico e problemáticos. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Atlantic Council, apenas 35 países consideravam desenvolver uma CBDC em maio de 2020, enquanto, atualmente, há mais de 90 países no processo de desenvolvimento.

Status CBDCs

Nesse contexto, o Brasil está um passo à frente em comparação aos seus pares. Em novembro de 2020 foi inaugurado o sistema PIX. A partir desse sistema, tornou-se possível realizar transações instantâneas, mesmo quando as contas envolvidas pertencem a diferentes bancos. O PIX se provou um sucesso. Dados do Banco Central mostram que esse sistema finalmente ultrapassou cartões em número de transações no último trimestre de 2021, após registrar um crescimento de 34% em relação ao trimestre anterior (leia mais sobre este assunto em nosso Panorama Pix).

O que são as CBDCs

CBDC, acrônimo do nome inglês Central Bank Digital Currency, é uma versão de moeda digital emitida por um Banco Central. É comum esse conceito gerar confusão, uma vez que a maioria das pessoas já fazem uso de meios digitais para realizar transações, inclusive com a moeda de curso legal e, portanto, não compreendem qual é a real proposta de valor de uma CBDC.

Diante desse problema, é fundamental entender a diferença entre depósitos à vista e papel moeda. Antigamente, quando o padrão ouro era institucionalizado, as pessoas utilizavam os bancos para depositar ouro em troca de notas bancárias. Obviamente, utilizar essas notas era significativamente mais prático. Além disso, na época, os bancos ofereciam uma infraestrutura de segurança e de armazenamento irreplicável para a maioria das pessoas individualmente.

Da mesma forma que o ouro antigamente, hoje o dinheiro em espécie é a base do sistema financeiro, e os depósitos à vista, mantidos em formato eletrônico, são passivos dos bancos comerciais. Assim, é responsabilidade dessas instituições financeiras garantir que seus clientes consigam sacar papel moeda em uma quantidade equivalente ao seu dinheiro em conta.

De forma análoga aos mineradores de ouro no passado, o Banco Central é a entidade que realiza a “mineração” de papel moeda. Basicamente, após a institucionalização de CBDCs, o Banco Central será capaz de minerar a moeda de curso legal em seu formato mais líquido sem necessitar de papel, tinta e impressora.

Resumindo, as CBDCs são equivalentes ao dinheiro em espécie, uma vez que, diferentemente de depósitos à vista, são moedas emitidas diretamente pela autoridade monetária de uma nação, e não por bancos comerciais.

CBDC e criptomoedas

Bitcoin foi a primeira inovação que muitas pessoas confiaram ser capaz de garantir escassez digital e perfeita coordenação entre diferentes usuários em um sistema descentralizado. Hoje, milhões de pessoas pagam, por livre espontânea vontade, 46 mil dólares por unidade desse ativo. Dessa forma, a ideia de que era necessária alguma dependência com o “mundo físico” para garantir a confiança em uma moeda foi colocada em xeque.

Esse fenômeno foi responsável pela rápida adoção de criptoativos que ocorreu durante a última década. De forma semelhante, para atender a clara demanda da sociedade por dinheiro em formato digital, o setor privado desenvolveu stablecoins cujo valor se mantém estável em relação a uma moeda fiduciária, como o dólar. Entretanto, esse é um mercado ainda pouco regulado e sujeito a altos riscos. Essa situação foi mais um fator que incentivou banqueiros centrais e outras autoridades a apresentarem alguma alternativa mais alinhada com os interesses públicos.

No entanto, apesar de semelhanças, uma CBDC não pode ser considerada uma criptomoeda, por alguns motivos. Primeiramente, para realizar transações em uma blockchain descentralizada e pública não é necessário pedir permissão de uma autoridade central. O protocolo determina os padrões que devem ser seguidos pelos usuários para realizar uma transação e, se esses padrões não forem respeitados, os mineradores a rejeitam. O protocolo não é propriedade de ninguém.

Além disso, como não há necessidade de se identificar mediante um documento para interagir com a blockchain subjacente a uma criptomoeda, é possível manter o anonimato dos participantes. Diferentemente do que ocorre em outros mercados, pode-se adquirir criptoativos sem necessitar de intermediários, haja vista que os usuários possuem a liberdade de realizar transações Peer to Peer e de minerar blocos e receber a remuneração associada a esse processo. Todavia, é por meio de exchanges que a maioria das pessoas compram esses ativos atualmente. Como são intermediários, as exchanges podem exigir alguma documentação. Tal fato explica o motivo pelo qual o alvo da maioria das regulamentações do setor são essas instituições.

Por outro lado, nos atuais projetos de uma CBDC, há uma assimetria de controle não presente em criptomoedas. Apesar de que, dependendo da opção de design, há a possibilidade de se utilizar um sistema de armazenamento de dados distribuídos, como uma blockchain ou outra tecnologia semelhante, apenas o Banco Central ou instituições financeiras autorizadas possuem a permissão de interagir diretamente com a rede. Assim, para usufruir dessa tecnologia, não há como evitar intermediários.

Em blockchains descentralizadas que utilizam algoritmos de consenso como Proof of Work ou Proof of Stake, os mineradores exercem um papel fundamental ao garantir concordância em relação ao estado atual da rede e, por isso, são remunerados. Todos os participantes são livres para minerar, porém, para tanto, precisam investir recursos próprios e enfrentar diversos riscos financeiros e regulatórios. Em contrapartida, no caso de CBDCs, há uma autoridade central com monopólio da mineração. Essa autoridade pode determinar unilateralmente o estado da rede sem necessitar conquistar o consenso entre os participantes.

Principais objetivos das CBDCs e o Real Digital

Segundo o relatório publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) intitulado “Behind the Scenes of Central Bank Digital Currency”, um dos principais objetivos de uma CBDC é garantir inclusão e eficiência no sistema de pagamentos. Em geral, realizar transações por meio digitais na maioria dos lugares do mundo continua extremamente moroso. Ademais, por envolver taxas e tarifas bancárias, essas transações se tornam significativamente caras.

Atualmente, estima-se que 31% da população mundial não possui acesso a um banco. Nesses casos, o meio de pagamento preferido para essa população continua sendo o dinheiro em espécie. A fim de apreciar as repercussões desse fato, vale a pena compreender a história de Bahamas, primeira nação a adotar uma CBDC.

Bahamas, devido a sua localização geográfica, é vulnerável a diversos desastres naturais, como terremotos, furacões e erupção vulcânica. Em 2019, esse país sofreu por fortes furacões que devastaram inúmeras cidades, o que deixou milhares de bahamenses desamparados. A infraestrutura bancária, majoritariamente física, não conseguiu se reerguer a tempo para facilitar o acesso a um meio de pagamento por parte dos bahamenses.

Segundo John Rolle, presidente do banco central de Bahamas, a falta de dinheiro tornou a situação muito mais caótica do que deveria. Após esse ocorrido, a ideia de utilizar uma CBDC se tornou muito mais atraente. Assim, após alguns meses de pesquisa, em outubro de 2020 foi lançado o “Sand Dollars”, primeira moeda digital emitida diretamente por um Banco Central.

A realidade no Brasil, entretanto, é bastante diferente. O sistema PIX endereça justamente o problema relacionado à ineficiência de meios digitais para realizar transações. Diante desse fato, em suas diretrizes para o desenvolvimento de uma CBDC publicada em maio de 2021, o Banco Central do Brasil destaca outras propriedades que busca implementar em uma futura moeda digital.

O formato inerentemente digital de uma CBDC gera a possibilidade de criar dinheiro programável. Isso significa que, com a adoção dessa moeda, torna-se possível estabelecer funcionalidades específicas para diferentes unidades monetárias. Por exemplo, a fim de realizar política monetária, a autoridade pública pode emitir CBDCs com taxa de vencimento, bem como pode pagar ou cobrar juros automaticamente, removendo a necessidade de depositar o dinheiro em uma conta poupança antes.

A programabilidade de uma moeda também abriria espaço para que smart contracts (contratos inteligentes) fossem utilizados. Há uma infinidade de casos de uso para esses contratos, entre esses, pode-se citar: internet das coisas (IOT) e finanças descentralizadas (DeFi).

Outro ponto importante destacado pelo Banco Central em suas diretrizes para o Real Digital foi a necessidade de melhorar a interoperabilidade - capacidade de realizar transações com pouco atrito entre diferentes moedas digitais. Nesse sentido, cabe ressaltar que, segundo o FMI, o projeto de CBDC de quase todos os outros países também enfatiza a importância desse ponto. Autoridades dessas nações compreendem que ineficiências no mercado de câmbio atual tornam o comércio e o investimento internacional significativamente mais custoso do que o ideal.

Modelo de Distribuição: Direto vs Indireto

Por ter qualidades semelhantes a depósitos à vista em termos de praticidade e por ser um passivo do Banco Central ao invés de Bancos Comerciais, após o início de distribuição de uma CBDC é possível que haja uma corrida aos bancos por parte da população para trocar depósitos pela moeda emitida diretamente pela autoridade monetária.

Esse processo de distribuição direta pode ser disruptivo para todo o sistema financeiro. Para evitá-lo, é possível terceirizar a função de distribuição e custódia de CBDC para os bancos comerciais. Assim, o setor privado competiria para desenvolver carteiras privadas e outras tecnologias com o objetivo de facilitar o uso dessa moeda digital. Quase todos os projetos de CBDCs atualmente promovem a importância de manter a intermediação uma função do setor privado, e, portanto, optam pelo modelo indireto de distribuição.

Conclusão

Até mesmo nos países em que CBDCs já estão sendo utilizadas, como Bahamas e China, o número de transações por esse meio de pagamento ainda constitui um percentual muito baixo do total. A principal razão para esse fenômeno está no fato de que há um consenso entre os governantes dessas nações de que essa tecnologia deve ser implementada com calma, a fim de evitar riscos sistêmicos e dar mais tempo para os pesquisadores coletarem feedbacks de usuários e otimizarem o design dessa moeda.

Em relação ao mercado de criptoativos, é provável que, se os projetos CBDCs realmente conseguirem entregar o que propõem, stablecoins e algumas criptos que se beneficiam apenas pela alta interoperabilidade e pelo baixo custo de transação em comparação às atuais alternativas podem se tornar menos úteis e, portanto, podem perder valor de mercado.

No que diz respeito ao restante das criptomoedas, entretanto, vale relembrar que essa tecnologia foi desenvolvida devido à desconfiança em autoridades centrais e, por conseguinte, em moedas fiduciárias. CBDCs, além de não resolver o problema da confiança, transfere aos seus emissores ainda mais controle sobre aqueles que utilizam a rede. Nesse contexto, a demanda pelas propriedades oferecidas por criptomoedas seguirá em tendência de alta.


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