Macroeconomia


A volta das geradoras de energia

419257fac3d248019c31f093827da815_foto-perfil.jpg

Mário Corrêa

Publicado 31/mar15 min de leitura

Setor Elétrico | Revisão de Preço - Geração

O abastecimento de energia elétrica no Brasil tem como principal fonte a geração hidrelétrica, responsável por mais de 60% da matriz elétrica brasileira, seguida das usinas termelétricas, com cerca de 25%. O restante é proveniente de usinas eólicas e, em menor escala, fotovoltaicas.

Sendo a maior fonte de geração de energia, lembramos que o cenário hídrico passou por momentos de tensão durante os últimos dois anos. 

Devido a um forte período de secas, o nível dos reservatórios sofreu uma queda relevante, ocasionando uma série de mudanças operacionais no SIN, como o acionamento de outras fontes de geração (ex.: termelétrica), além de um aumento nos preços de energia de curto prazo e um repasse maior para os consumidores finais, por meio da elevação de bandeiras tarifárias.

Porém, com a já considerável melhora a partir do início do período chuvoso ao final de 2021, o segmento de geração deve apresentar uma forte retomada ao longo de 2022, principalmente em razão do enfraquecimento do “La Niña”, conforme explicado em nosso relatório de crise hídrica aqui, em conjunto com o nível de precipitação, que desde o começo de 2022 vem superando sua média histórica.

Com a melhora dos níveis dos reservatórios e da situação climática como um todo, esperamos, então, consideráveis reduções nos custos de geração, as quais devem beneficiar de maneira relevante os resultados das empresas geradoras ao longo deste ano. Desta forma, decidimos revisar os nossos modelos, o que levou a novas projeções e alteração das recomendações para as empresas em nosso universo de cobertura, para o final de 2022, sendo elas:

AES Brasil (AESB3), elevamos nossa recomendação para Compra, mantendo preço de R$ 16/ação;


• Engie (EGIE3), elevamos nossa recomendação para Compra, mantendo preço de R$ 47/ação.

A Matriz Elétrica Brasileira.

O Sistema Interligado Nacional (SIN): Criado em 1998 como solução implementada pela Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, com o intuito de reduzir o de risco hidrológico e falta de abastecimento de energia, o SIN consiste em um conjunto de equipamentos e instalações, conectados eletricamente, para suprir o fornecimento de energia do país. Atualmente, o SIN conta com uma malha de distribuição de aproximadamente 145 mil Km, interligando dezesseis bacias hidrográficas entre quatro principais subsistemas, sendo eles:

• Subsistema Sudeste/Centro-Oeste (SE/CO), que abrange essas duas regiões, juntamente com os estados Rondônia e Acre;


• Subsistema Sul (S), que corresponde a região Sul do país;


• Subsistema Nordeste (NE), que corresponde a região Nordeste, com exceção do estado do Maranhão;

• Subsistema Norte (N), que inclui os estados Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará e Tocantins.

A matriz de energia elétrica brasileira apresenta um modelo hidro-térmico-eólico de grande porte, com foco na geração hídrica e, através do SIN, é estabelecida uma conexão entre os subsistemas e as diferentes usinas geradoras para mitigar a exposição ao risco hidrológico em períodos de escassez.

Existem duas principais categorias diferentes de usinas hidrelétricas: (i), as que utilizam modelo de represamento, permitindo o controle do nível de geração de energia em horários de pico, sendo uma manipulação positiva, de acordo com a variação horária do preço (MWh); e (ii), as que operam por meio de fio d’água, por meio da qual a geração ocorre através da afluência natural dos rios, resultando em pouca, ou nula, capacidade de armazenamento. Os modelos por represamento apresentam uma vantagem competitiva pois possibilitam a gestão das quantidades de produção de acordo com a variação por hora de preços na energia consumida. Em conjunto com as usinas hidrelétricas, temos também as Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCH, classificação para as centrais geradoras com capacidade de geração inferior a 50MW. As PCHs representam atualmente cerca de 3,5% de toda a capacidade instalada do SIN.

O modelo de geração termelétrica pode utilizar combustíveis fósseis como petróleo, carvão mineral e gás natural, ou também acontecer por meio do processo de fissão, que envolve o uso de material radioativo. Além de mais poluente, a geração termelétrica envolve um modelo muito mais custoso de geração de energia e serve como plano de reserva em caso de escassez hídrica, trazendo maior repasse de preços finais, não só para os distribuidores, mas também para os consumidores cativos.

Já as fontes alternativas como geração eólica e fotovoltaica, apresentam modelos estabelecidos por parques repletos de aerogeradores e placas solares, localizados predominantemente no Nordeste do país, por questões estratégicas, tanto relacionadas a temperaturas quanto a capacidade de ventos, ficando, desta forma, fortemente exposto a sazonalidade das estações do ano, ao nível de precipitações, e consequentemente, ao nível de armazenamento de água dos reservatórios, o que é conhecido como risco hidrológico.

Conceitos Básicos do Sistema

Mecanismo de Realocação de Energia (MRE): proporciona ganhos sinérgicos entre os sistemas que compõem o SIN, distribuindo toda a energia gerada do sistema entre as participantes. Assim, ele compensa as usinas que produziram menos com a energia das que produziram mais, assegurando o abastecimento de energia e reduzindo o risco hidrelétrico, tendo em vista também as distintas características climáticas ao longo de nosso extenso território nacional.

Generation Scaling Factor (GSF): razão calculada periodicamente que determina quanto cada usina irá receber de energia, independente de quanto produziu. A sua fórmula é:

GSF=Total de energia produzida/Total da Garantia Física

Este fator, então, permite a realocação da distribuição de energia entre usinas deficitárias e superavitárias. Quando ele se encontra inferior a um, significa que a produção do sistema não está atendendo ao total de sua capacidade. Cada usina receberá então o percentual da razão GSF, independente de quanto produziu, e o restante necessário para atender a sua quantidade de energia contratada deverá ser negociado no Mercado de Curto Prazo (MCP).

Preço de Liquidação das Diferenças (PLD): fator de precificação calculado por hora, para liquidar as diferenças entre recursos e requisitos dos agentes no mercado. É utilizado então como preço de referência pelos agentes do Ambiente de Contratação Livre, no caso de contratação para compensação da produção deficitária, ou então no caso exposição ao PLD, quando a companhia incorpora a falta em sua liquidação financeira, organizada pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), de maneira valorada ao PLD.

Custo Marginal da Operação (CMO): equivale ao custo marginal para se produzir o próximo Megawatt- hora, ou seja, é o custo de operação para uma unidade adicional à demanda, de modo a suprir o sistema ao menor custo. Com reservatórios cheios e hidrelétricas em pleno nível de funcionamento, este custo é baixo, se resumindo a somente custos de operação e manutenção. Com a baixa dos reservatórios, este custo se junta com os custos de reenchimento e intercâmbio de água entre os subsistemas. Com a elevação do risco hidrológico, tem-se o acionamento das termelétricas, que elevam ainda mais este valor. Elas são acionadas em ordem crescente de custos, até que o sistema seja abastecido como um todo. Caso todas as termelétricas já estejam em pleno funcionamento, seria acionado um estado crítico, ocasionando um deplecionamento da energia armazenada.

Crise Hídrica 2020-2021

Os anos de 2020, e principalmente 2021, foram fortemente impactados por um dos piores cenários hídricos dos últimos tempos. O período de escassez foi resultado de um fenômeno meteorológico chamado “La Niña”. Ao contrário do “El Niño”, ele é responsável por um resfriamento anormal das águas do oceano Pacífico, resultando em chuvas intensas na região do Norte e Nordeste, e um período de secas nas regiões Sul e Sudeste. Este período de precipitação abaixo da média acabou afetando, então, os níveis dos reservatórios e do total de energia natural afluente dos rios. O maior problema é que justamente no subsistema Sudeste/Centro-Oeste localiza-se cerca de 70% da capacidade de reservatórios do SIN, o que resultou em um péssimo momento de produção para as geradoras e do sistema como um todo. Neste período, os níveis dos reservatórios do SIN alcançaram patamares consideravelmente inferiores à sua média histórica dos últimos 20 anos.

Essa limitação frente às disponibilidades de geração hídrica de energia elétrica afetou o mercado de geração de diversas formas. Primeiramente, com uma geração hídrica abaixo do esperado, está- vamos trabalhando com um dos níveis de GSF mais baixos da história. Para suprir a quantidade de energia necessária para atender o sistema, foi necessário o acionamento do despacho térmico em quantidades elevadas, o que alterou tanto o preço de curto prazo, quanto os custos operacionais, jogando o PLD e o CMO lá em cima.

Entretanto, o cenário tem revertido no período chuvoso de 2021/22, o que nos leva a crer em uma recuperação dos resultados das geradoras, como demonstraremos a seguir.

A chuva de oportunidades

O período chuvoso do início de 2022 tem trazido ventos de esperança para o segmento. Com chuvas acima da média em diversas regiões, o nível dos reservatórios tem apresentado significante recuperação. Como pode ser observado nos gráficos abaixo, o nível consolidado dos reservatórios no mês de março já se aproximou à média de todo o SIN nos últimos 20 anos.

O aumento do nível dos reservatórios gera efeitos imediatos na quantidade de geração hídrica, que teve forte retomada no início deste ano. Com maior quantidade de energia sendo gerada por uma fonte com custos menores, imediatamente são observados efeitos de retração, tanto no CMO, quanto no PLD.

Desta forma, as empresas de geração têm suas operações fortemente beneficiadas, via ga- nhos significativos de margem através de redução de custos e eficiência operacional, além de proporcionar maior geração de valor para as geradoras, e consequentemente, geração de valor adicional a seus acionistas, a partir de maior folga para distribuição de dividendos.

De acordo com seu cenário base, a CCEE apresentou uma ENA acumulada do mês de feve- reiro para todo o SIN de 111% em relação a sua Média de Longo Termo (MLT), com expecta- tiva de encerrar o ano de 2022 em 113%. As projeções da CCEE indicam que esse valor será de 86% entre agosto e setembro de 2022, período de baixa no ciclo de chuvas.

Juntamente com a melhora na ENA, as projeções de cenário base da CCEE também trazem um cenário positivo para o GSF para o ano de 2022, fator que deve ser baseado também na expectativa de diminuição do despacho térmico com a melhora das chuvas. Sendo assim, as projeções marcaram um GSF médio para o ano de 86,4%, 13,4 p.p. superiores ao de 2021.

Refletido no melhor desempenho hídrico, o cenário base da CCEE também contempla uma significativa redução do PLD que, no projetado para o final de 2022, registra um valor de R$ 55,70 /MWh em todo o SIN, versus R$ 282,00 no ano anterior.

Eleições

Um fator adicional que pode representar uma oportunidade para o segmento este ano é o desempenho de seus papéis frente a cenários de maior volatilidade. Em outubro, serão disputadas as eleições gerais. Olhando para dados em um intervalo de 20 anos, em anos eleitorais, o índice de companhias elétricas – IEEX - apresenta, em média, um retorno histórico superior ao do Ibovespa, resultante dos menores Betas das empresas que compõem o índice, traduzindo em uma menor correlação com o desempenho do restante do mercado. Este nível de beta inferior é justificado pelo modelo do setor de utilities, que além de se tratar de um serviço essencial, apresenta contratos de longo prazo reajusta- dos via indicadores de inflação, o que os torna opções mais estáveis durante períodos de volatilidade mais alta. Assim, iniciamos com um olhar ainda mais otimista para o ano de 2022 que, em nossa opinião, promete agitar o mercado.

Mesmo com algumas melhoras ao longo do 4T21, o setor elétrico ainda lida com fatores encadeados pela crise hídrica, como GSF baixo, elevados custos marginais e PLD acima de sua média histórica. Apesar disso, com a recuperação climática e o cenário favorável, estes fatores já mostram recupera- ção e devem ser ajustados ao longo de 2022, o que viabiliza a possibilidade de mudança na expecta- tiva de performance de algumas empresas ao longo do ano.

AES Brasil (AESB3)

Com 100% de energia renovável, a AES Brasil é uma das maiores empresas de geração do país, com 3,7 GW de capacidade instalada em operação e outros quase 800 MW em desenvolvimentos, sendo estes ativos eólicos, Tucano e Cajuína. Entendemos que a matriz elétrica brasileira cada vez demanda investimentos para diversificar sua base, sendo uma grande avenida de crescimento, em linha com a visão da empresa.

Em termos de Garantia Física (GF) de suas usinas, o carro chefe ainda são as hídricas. Não por menos, a empresa sofreu bastante em termos de resultado com a crise, performando bem abaixo de anos anteriores. Em decorrência, os preços de suas ações sofreram bastante pressão, acumulando forte queda.

Já levando em conta os projetos que estão em desenvolvimento, a parte hídrica corresponde com mais de 60% da GF, sendo 12 usinas localizadas no Estado de São Paulo. Diante disto, com a expectativa de forte evolução no cenário hídrico, acreditamos que os resultados da empresa devem seguir a mesma tendência de melhora.

Diante disto, em condições normais de temperatura e pressão (ou chuvas, ventos e irradiação solar) acreditamos que a boa performance operacional do papel deve voltar. Lembrando que a empresa também apresenta bom histórico de pagamento de proventos, sendo uma boa opção para uma carteira voltada para este intuito.

Riscos

O principal risco de curto prazo ainda paira sobre a performance hídrica. Como explanado no tópico anterior, grande parte dos resultados operacionais são ligados a tais ativos. Assim, um baixo volu- me de geração ao longo do ano em conjunto com elevação dos preços do setor elétrico levariam aos mesmos desafios ocorridos anteriormente. Outro risco é uma maior elevação de juros além do precificado atualmente, e seus impactos na elevada dívida da companhia. Com as novas expansões da empresa, como o Complexo Cajuína, e o seu recente acesso ao mercado de emissão de dívida, a empresa encerrou o 4T21 com um índice de Dívida Líquida / EBITDA de 4,3x.

Valuation

Assim, elevamos a recomendação para Compra de AES Brasil (AESB3), mantendo o preço alvo de 16/ação, visando o final de 2022. Desde a última recomendação no papel, atualizamos os resultados divulgados, incorporamos atualizações em seus projetos em desenvolvimento e elevamos o WACC de 8,9% para 9,2%, incorporando maiores incertezas com juros e inflação. No mais, utilizamos um preço teórico de energia de longo prazo na casa dos R$ 170 MW/h.

Engie (EGIE3)

Maior geradora privada do setor elétrico, com aproximadamente 10 GW de capacidade própria insta- lada, a Engie representa 5,6% do total da capacidade de produção nacional. O seu portfólio de ativos contempla hoje, 69 usinas, localizadas em 13 estados, além de uma malha de transporte de gás na- tural, com 4.500km.

Com 78% do total de sua capacidade proveniente de geração hídrica, a Engie foi fortemente impactada pelo cenário do ano passado. A grande maioria de suas usinas hidrelétricas são conectadas a reservatórios nos subsistemas Sudeste/Centro-Oeste e Sul, sendo ambos os dois subsistemas mais impactados pela crise. Apesar disso, como foi apresentado anteriormente, o período chuvoso do início deste ano já proporcionou uma melhora no nível dos reservatórios, retornando-os a patamares acima de suas médias históricas.

A companhia também tem conseguido diversificar a sua receita através de fontes alternativas de geração, e abertura de novos segmentos. Com a recente aquisição de 32,5% da TAG, a Engie deu entrada no segmento de transporte de gás natural, garantindo à companhia receita por contratos de longo prazo. A parcela da TAG adquirida pela Engie no 4T21 representou 22% de sua receita líquida operacional. Através de seus novos projetos de expansão, observa-se um ganho importante de margens em nosso modelo.

Desta forma, a empresa acaba se tonando também uma boa opção para um portfólio com foco em dividendos, graças a alta capacidade de geração de caixa operacional de seus ativos. A Engie, de acordo com o seu estatuto, segue uma política de pagamento de dividendo mínimo de 30% do lucro líquido ajustado, com distribuição de proventos de ao menos duas vezes no ano, tendo encerrado 2021 com um DY de 4,4%.

M&A alinhado com ESG

A Engie ultimamente tem consolidado os seus interesses de expansão de suas atividades em conjunto com o reforço de sua tese ESG, através de novas aquisições e renovação de seus ativos. Sendo assim, foi concluída no ano passado a venda do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, localizado em Capivari/SC, por um montante de R$ 325 milhões. O complexo apresenta uma capacidade instalada de 857 MWmed.

Em contrapartida, foram divulgadas recentes expansões, como a aquisição dos Conjuntos fotovoltaicos Paracatu e Floresta, que apresentam capacidade instalada de 158,3 MWp e 101,5 MWp, respectivamente, e o início da implantação do Conjunto Santo Agostinho, localizado no Rio Grande do Norte, que será o maior empreendimento eólico da Engie em território nacional, apresentando capacidade instalada de 434 MW, e um CAPEX na ordem de R$ 2,3 bilhões. Paracatu e Floresta já se encontram em operação, e Santo Agostinho tem startup previsto para o fim de 2022.

Riscos

Assim como para as demais companhias do setor elétrico, o risco sistemático que mais pressiona o funcionamento da Engie é o risco hidrológico. Com a sua operação concentrada em geração hídrica, um período de chuvas escassas e baixa nos níveis dos reservatórios podem trazer severas consequ- ências para a companhia. Um elemento adicional de risco acaba sendo também a elevação dos juros, que decorrente de um elevado nível de endividamento da companhia, somado aos financiamentos de novos projetos, proporciona uma inicial queda de margem, incremento de suas despesas financeiras, e alavancagem.

Valuation

Desta forma, decidimos alterar a recomendação de EGIE3 para Compra, mantendo o preço alvo de R$ 47,00 para o final de 2022. Levando em conta o processo de expansão sustentável da companhia, em meio a uma melhora de conjuntura, bem como expectativa de expansão de margem, acreditamos também que os ativos da companhia apresentam forte capacidade de geração de caixa, proporcionando um DY de 6%.

O método utilizado para precificar a companhia foi através do fluxo de caixa descontado, pelo qual foi estipulado um preço de energia de longo prazo em R$ 170 MW/h, juntamente com um GSF de 95%. Vale lembrar que o modelo já conta com a exclusão de Jorge Lacerda, e as RAPs das novas operações de transmissão, Gralha Azul e Novo Estado, a partir de 2023, como planejado anteriormente. O WACC utilizado foi de 8,32%.


Compartilhe essa notícia

Receba nossas análises por e-mail