Tese Macro
A maior inflação dos últimos 40 anos deu início a forte aperto monetário
Com o choque de oferta causado pela pandemia, a inflação americana alcançou o maior valor em mais de 40 anos, chegando ao pico de 9,1% em junho de 2022. Inicialmente, o Fed se mostrou relutante em aumentar a taxa de juros, argumentando que a inflação, por ser causada por um choque de oferta, era um fenômeno transitório. Entretanto, no combate à pandemia, os governos ao redor do mundo implementaram generosos pacotes de assistência social, adicionando um choque de demanda a uma economia já fragilizada por um choque de oferta.
Com a inflação não cedendo, o Fed se viu obrigado a abandonar a tese de inflação transitória e fez o primeiro aumento na taxa de juros em março de 2022. Desde então, já foram sete aumentos na taxa de juros, com a expectativa de mais três em 2023, com a taxa de juros básica da economia norte-americana ficando entre 5-5,25% ao final do ajuste.
Após o pico atingido em junho de 2022, a inflação americana começou a ceder. E com a taxa de juros em patamar elevado, os sinais de desaceleração econômica começam a aparecer na economia americana, aumentando a pressão sobre o Fed para o fim do ciclo de alta ou até mesmo para o início de cortes nos juros.
Quando o Fed vai parar?
Apesar da considerável queda, a inflação ainda está longe da meta de 2%. Podemos ver isso pelo núcleo, que exclui os componentes mais voláteis. As declarações dos membros do banco central americano sugerem que eles não pretendem ser permissivos com a inflação. E a inspiração para Jerome Powell, atual presidente do banco central, é Paul Volcker, presidente do banco central americano durante a última grande inflação americana. Volcker só conseguiu domar a inflação após levar a taxa de juros acima do patamar de 20%, garantindo a convergência da inflação ao longo da década de 80 e permitindo a bonança dos anos 90. Em nossa opinião, Powell não levará os juros até 20%, mas dificilmente irá parar antes de garantir que a convergência da inflação ocorra.
Além disso, Powell se mostra muito preocupado com os “animal spirits” dos investidores. De fato, as condições financeiras têm se tornado bastante frouxas devido à ânsia dos investidores por corte de juros e os dados econômicos ainda robustos da economia americana. Se o Fed parar agora, muito provavelmente haverá um rally nas bolsas, contribuindo para uma visão mais otimista do mercado, aumentando a chance da inflação voltar. Portanto, se Powell quer garantir a credibilidade do Fed, ele não deve parar por agora nem indicar cortes de juros no curto prazo.
Com juros elevados, aumenta a probabilidade de recessão
À medida que os juros aumentam, também aumenta a probabilidade de recessão da economia americana. De fato, essa já é a recessão mais antecipada da história. O Fed da Filadéfilfia calcula que a probabilidade de ocorrer uma recessão nos Estados Unidos no primeiro trimestre de 2023 é de 47%, maior do que a observada antes de todas as últimas recessões.
Os indicadores antecedentes também sugerem uma desaceleração. O mais acompanhado deles é o calculado pela US Conference Board. Esse indicador antecipou todas as últimas recessões com uma defasagem média de oito meses. A indicação de recessão ocorreu em agosto do ano passado, portanto, por esse indicador, a probabilidade de uma recessão nos próximos quatro meses é bastante elevada.
Os indicadores antecedentes, como o próprio nome diz, antecedem uma recessão. Mas já observamos sinais de desaceleração na economia real.
Com juros elevados, aumenta a probabilidade de recessão
Apesar do mercado de trabalho americano ainda apresentar dados robustos, com a taxa de desemprego em nível historicamente baixo, vemos que a criação de novos empregos vem desacelerando à medida que as grandes empresas realizam demissões em massa. São justamente as grandes empresas as mais sensíveis às taxas de juros elevada, portanto, é natural que elas antecipem o ciclo. Hoje, vemos que a geração de empregos na economia americana se dá no setor de serviços, em particular os serviços de hospitalidade. Esse setor é altamente dependente da renda dos consumidores, e uma vez que a renda comece a diminuir, deveremos observar demissões também nesses setores. Além disso, observa- se cortes em vagas temporárias que, historicamente, antecipam cortes gerais no mercado de trabalho.
E já há sinais de demanda claudicante. Apesar do último dado do PIB americano ter surpreendido positivamente, há um dado nele que indica uma demanda enfraquecida. As vendas, em termos reais, para consumidores domésticos cresceram apenas 0,4% na taxa anualizada no 4o trimestre de 2022 na comparação com o 3o trimestre, quando cresceram 1,1%. Essa métrica é uma boa aproximação para a demanda interna e ela tem convergido rapidamente para zero, comportamento condizente com o observado nas últimas recessões.
No lado internacional, Japão é um foco de atenção
Há também pontos de atenção em outros países. No Japão, o Iene se desvalorizou de maneira acentuada em 2022 e apresenta uma boa oportunidade para 2023. A atual cotação está consideravelmente acima da média histórica, abrindo espaço para uma reversão à média.
E o fator que possibilitou a desvalorização excessiva do Iene em 2022, a política monetária ultra expansiva no país, deve se reverter em 2023. O Japão sofre com inflação abaixo da meta com frequência nos últimos 30 anos. Mas com o choque da pandemia, a inflação tem acelerado consideravelmente, e o núcleo da inflação japonesa já se aproxima de 4%, bem acima da meta de 2%.
Em dezembro, uma medida do banco central japonês pegou o mercado de surpresa. Eles anunciaram do dia para a noite o aumento na banda da política de controle da curva de juros, de 25 bps para 50 bps. Isso ocorreu porque o mercado de títulos japonês não tem funcionado corretamente nos últimos meses, com os títulos de prazos menores rendendo mais que o título de 10 anos. Essa mudança foi vista como um prenúncio da normalização da política monetária japonesa, e espera-se que os juros comecem a subir a partir do 2o trimestre de 2023, quando um novo presidente assumirá o comando do banco.
Com isso, podemos observar o BoJ implementar uma política monetária mais restritiva quando o Fed estiver parando. Soma-se a isso a expectativa de recessão global. Esses fatores contribuem para um fortalecimento do iene perante o dólar.
Reabertura da China pode ser um grande impulso global
Por fim, um grande tema de 2023 é a reabertura da economia chinesa. No início de dezembro, o governo chinês abriu mão da sua política de tolerância zero no combate ao covid que vinha cobrando um preço alto em termos econômicos.
Há grande expectativa de normalização da atividade chinesa, podendo impulsionar a demanda global, sendo benéfica para as economias emergentes. De fato, já observamos alguns sinais. O número de voos diários na China é uma boa aproximação para a mobilidade da economia chinesa, e após dois anos de baixa mobilidade, observamos um forte início de ano, se aproximando da tendência pré-pandemia. Além disso, os indicadores antecedentes já colocam a economia chinesa em patamar expansionista em janeiro.
Outro ponto de atenção referente a reabertura chinesa são as exportações coreanas. A economia coreana fornece muitos insumos eletrônicos importantes para a produção chinesa e suas exportações são altamente correlacionadas com a atividade chinesa. Até o momento não se observa um impacto real sobre as exportações coreanas.
A reabertura econômica chinesa ainda não é realidade, mas é um caminho sem volta. A incerteza está quanto ao seu impacto no resto do mundo, enquanto as grandes economias do ocidente desacelerem e caminham para uma recessão.