Você já ouviu a frase “renda fixa não é fixa”?
A volatilidade dos títulos de “renda fixa” gera retornos diferentes das taxas contratadas podendo, inclusive, contribuir com prejuízos. Entretanto, boa parte dos investidores desconhece esse fenômeno e só ficam cientes dos retornos diferentes dos contratados quando tentam vender o ativo antes do vencimento.
Parte desse desconhecimento acontece porque essa modalidade de investimento é marcada na curva para os investidores. Todavia, a partir de 2023 os títulos de renda fixa públicos e privados (CRAs, CRIs e Debêntures) passarão a ser marcados a mercado. Com isso, aqueles investidores que desconhecem a volatilidade da renda fixa podem tomar um susto na virada do ano.
Mas o que afinal é essa volatilidade da renda fixa? Como a nova regra impacta meus investimentos?
Se você não está familiarizado com os termos marcação na curva ou marcação a mercado é natural que essas dúvidas surjam.
Vamos por partes que vamos te explicar tudo.
O que é marcação a mercado e marcação na curva?
O conceito de marcação a mercado é extremamente importante para os investidores de renda fixa, no entanto ele ainda é mal compreendido por muitos. Isso leva a algumas indagações como: “Por que a cota do meu fundo de renda fixa caiu?” ou “A renda fixa varia?”.
Para responder a essas e outras perguntas é preciso primeiro entender como funciona o mercado de títulos. Assim como existe a bolsa de valores, na qual investidores negociam ações diariamente, há também o mercado balcão para a negociação de títulos de renda fixa. Nele, diversos agentes econômicos, como bancos e fundos de investimentos, compram e vendem títulos de dívida. Igualmente à bolsa, essas dívidas possuem cotações diárias baseadas nos preços aos quais os ativos estão sendo negociados.
Dessa forma, se você compra um título que rende 10% ao ano e o mantém até o vencimento, o rendimento será exatamente o 10% contratado. Entretanto, se você toma a decisão de vender o ativo antes do vencimento, você estará sujeito às cotações do mercado. Isso acontece pois, quando se carrega o título de dívida até o vencimento, quem paga o investidor é o credor da dívida, seja ele uma empresa ou governo. Porém, quando se vende o ativo antes do vencimento quem o compra é outro investidor e o valor da transação será o de mercado. Nesse cenário os 10% de rendimento pode não mais refletir a realidade, e o título pode estar sendo negociado com uma taxa de referência maior ou menor.
Vamos a um exemplo para entender melhor como isso acontece. Suponhamos que um investidor compre um título do governo, prefixado, sem pagamento de cupom (LTN), com vencimento daqui a dois anos e taxa de remuneração de 10% ao ano. Nesse caso, o valor da dívida no vencimento já está definido em mil reais (R$1.000,00) e o seu valor no presente é aquele necessário para gerar os 10%a.a. de remuneração. Ou seja, o investidor investiu aproximadamente R$826,45.
Valor de compra do título = 1000/[(1+0,1)2] = R$826,45
Valor no vencimento = R$1.000,00
Retorno do investimento se carregado até o vencimento = (R$1000,00/R$826,45) -1 = 21%
Retorno ao ano do investimento = [(1+21%)^(1/2)] -1 = 10%a.a.
*(Lembrando que 21% em dois anos é o equivalente à taxa de 10% a.a., pois estamos falando de juros compostos.)
Assim, o investidor que comprou a LTN por R$826,45 receberá de volta, em dois anos, R$1.000,00 do governo, obtendo o ganho de 10% ao ano. Agora, suponhamos que um ano após a compra ele decida vender esse título. Como o vencimento ainda ocorrerá daqui a um ano, quem comprará o ativo será um outro investidor e o valor pago dependerá da taxa de remuneração pela qual esse outro investidor está disposto a comprar o título. Se o cenário não mudou e o título continua sendo negociado a 10%a.a., então o preço nesta data será de R$953,46, e o investidor que vendeu o ativo antecipadamente receberá exatamente os 10%a.a. equivalentes àquele período (um ano).
Valor de venda do título = 1000/[ (1,1)1 ] = R$909,09
Retorno em um ano = (R$909,09/R$826,45) -1 =10%
No entanto, o mais comum é a taxa de remuneração pela qual o título está sendo negociado não ser mais a mesma, uma vez que ela varia de acordo com as condições do mercado. Dessa forma, o investidor que está se desfazendo do ativo antes do vencimento pode não conseguir vendê-lo pelos mesmos 10% a.a.. Se o mercado estiver requerendo uma taxa maior pelo investimento, supondo 12%a.a., o investidor que vender o papel antecipadamente receberá menos do que os 10% de remuneração do título.
Valor de venda do título = 1000/[(1+0,12)1] = R$892,86
Retorno em um ano = (R$892,86/R$826,45) -1 = 8,04%
Da mesma maneira, pode acontecer o inverso e o título estar sendo negociado por uma taxa menor do que os 10%a.a.. Nesse segundo exemplo, o investidor que vender antecipadamente o título obteria um resultado superior aos 10%a.a. contratados. Consideremos que em um ano o mercado esteja comprando a LTN por 8% a.a.. Nesse caso:
Valor de venda do título = 1000/[ (1+0,08)1] = R$925,93
Retorno em um ano = (R$925,93/R$826,45) -1 = 12,04%
Note que o preço de mercado do título é inversamente proporcional a sua taxa de remuneração. Quando os investidores requerem um maior retorno sobre o investimento, o valor do ativo cai e vice-versa. E o que gera essa variação dos retornos dos títulos?
Os principais fatores de risco que contribuem para variação das taxas dos títulos são: (i) a percepção do risco de crédito em questão, (ii) risco de mercado relacionado as expectativas das variáveis macroeconômicas, como juros e inflação e (iii) a oferta e demanda do ativo no mercado, risco de liquidez.
A marcação a mercado impacta principalmente os títulos de renda fixa que tem cupom definido no seu contrato, como os pré-fixados e os indexados (IPCA+cupom por exemplo). Os títulos pós fixados ou atrelados ao CDI tendem a sofrer com menos volatilidade.
Normalmente, as corretoras e os bancos marcam os ativos de renda fixa de pessoas físicas na curva, isso é, na mesma taxa em que compraram o ativo. Assim, o investidor só vê a marcação a mercado quando cota o preço que receberia pelo ativo caso o vendesse de forma antecipada. É o mesmo raciocínio de possuir um imóvel. O valor dele varia bastante ao longo do tempo, no entanto não é discutido diariamente com o corretor o preço da casa. Você só cota o preço na hora de comprar ou vender. Todavia, em fundos de investimento isso funciona de forma diferente e todos os ativos são marcados diariamente a valor de mercado. Tal marcação é necessária para evitar transferência de riqueza entre os cotistas do fundo.
Os títulos do tesouro direto também são marcados diariamente a mercado para as negociações de compra e venda do tesouro. Abaixo colocamos 3 exemplos de títulos negociados no mercado para ilustrar o impacto da marcação a mercado recente.
A partir de 2023, as corretoras e bancos deverão pelo menos uma vez ao mês precificar os títulos de renda fixa privada (Debêntures, CRAs e CRIs) a mercado.
Para concluir...
Há duas lições dentro daquilo elucidado neste texto. Primeiramente, a marcação a mercado não gera perda permanente de patrimônio caso o título seja carregado até o vencimento. Contudo, é válido ressaltar que ela influencia diretamente no custo de oportunidade, isto é, no dinheiro que o investidor terá disponível para alocar em outros investimentos caso decida vender o ativo que possui hoje. Em segundo lugar, apesar da perda temporária de patrimônio quando a taxa de juros do título aumenta, ela é compensada por um retorno maior até o vencimento, o chamado carrego.
Nesse sentido vale destacar que a marcação a mercado dos títulos é um importante avanço para o mercado de capitais. Com ela, há uma melhoria significativa da transparência para os investidores e nos aproximaremos das melhores práticas de mercados mais desenvolvidos.