Análise


Carta ao Mercado | Fevereiro 2024

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André Valério

Publicado 09/fev

O ciclo de queda da Selic e os riscos

O ano de 2024 iniciou com mais uma queda da taxa Selic em 0,50 ponto percentual, mas a taxa ainda permanece no elevado patamar de 11,25%. Tivemos um longo ciclo de aperto monetário que se iniciou em 2021 e somente em 2023 a inflação voltou para dentro do intervalo da meta, encerrando o ano em 4,6% e em janeiro acumulando 4,5% em 12 meses. No início desse ano, não tivemos a carta do BC, que se repetiu nos últimos dois anos, justificando a inflação acima da meta. E ao que tudo indica, em 2024 a inflação deve continuar a tendencia de queda, mas os riscos continuam no radar.

Considerando o atual patamar de juros reais, o Banco Central segue conservador no processo de afrouxamento da política monetária. Cautela e serenidade são as palavras usadas nos comunicados para descrever esse processo. Temos hoje uma taxa de juro real ex-post próxima de 7%, patamar ainda bastante restritivo. O que faz o Banco Central ser mais cauteloso nesse processo?

A principal razão está nos riscos no cenário ainda bastante volátil, como vimos pelas últimas leituras dos dados econômicos. Assim como lá fora, apesar do juro restritivo, a economia segue crescendo em ritmo acima do potencial, com mercado de trabalho robusto e sem sinais de significativa desaceleração, o que resultaria na esperada abertura do hiato, ou aumento da capacidade ociosa. O crescimento econômico pós pandemia continua surpreendendo principalmente nos setores ligados a serviços. A expansão fiscal em 2023 teve contribuição para esse cenário, e o risco de repiques inflacionários pode ocorrer caso a demanda continue crescendo de maneira mais robusta. Além disso, eventos climáticos e a alta recente de alimentos podem adicionar pressão no curto prazo. O cenário externo também gera incerteza, passando pelo mesmo processo de expectativa do início do ajuste da política monetária, principalmente nos EUA, o que poderia manter a pressão nos prêmios de juros globais de maneira geral. Por fim, as cotações das commodities tiveram boa acomodação nos últimos meses, graças a uma desaceleração maior que o esperado da China e respondendo à política monetária mais restritiva e normalização das cadeias globais, mas esse efeito pode estar perto do fim.

Em um cenário de incerteza e com a expectativa de inflação próxima de 3,5%, o mercado espera 9% de Selic ao fim do ciclo, patamar ainda restritivo para o horizonte relevante da política monetária. Dependendo da evolução dos riscos, os juros podem cair mais que o mercado espera. No entanto, caso a política fiscal expansionista observada em 2023 se repita, a combinação com o afrouxamento monetário pode desancarorar ainda mais as expectativas além de alimentar o consumo em demasiado, principalmente considerando o atual quadro de baixo investimento e mercado de trabalho próximo do potencial.

Uma das incertezas que o governo pode controlar é o risco fiscal. Voltar a controlar os gastos públicos e sinalizar com maior credibilidade o ajuste fiscal pode resultar em dois benefícios: 1) ancorar as expectativas de inflação mais longas e 2) não estimular a demanda no curto prazo, o que abriria espaço para cortes de juros maiores e consequentemente crescimento mais sustentável à frente com uma volta mais robusta do investimento.


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