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Análise | Internacional | Abr/24

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André Valério

Publicado 30/abr3 min de leitura

Resumo

A bolsa americana viveu período de euforia nos últimos 6 meses, que coincide com decisões menos rígidas do Tesouro e Banco Central americano.

Essas decisões flexibilizaram as condições financeiras e podem ter contribuído com a aceleração da inflação americana observada em 2024.

Os indicadores econômicos apontam para uma atividade ainda aquecida nos Estados Unidos, embora haja alguns sinais de desaceleração, como o aumento da taxa de inadimplência no cartão de crédito e a baixa intenção de contratação por parte das pequenas empresas.

Com essa mudança de rumo e a inflação mais alta, o Fed pode ter sua credibilidade afetada. O comportamento de algumas classes de ativos sugere que os investidores estão antecipando pressões inflacionárias no curto prazo e demonstrando menor confiança de que o Fed tomará as medidas necessárias. Assim, vemos as expectativas do início do ciclo de cortes sendo postergadas.

Cenário Macro Global Abril 2024

Nas últimas semanas observamos uma piora considerável do cenário externo. O S&P 500 atingiu a máxima do ano no dia 28 de março, quando alcançou a marca de 5254 pontos, encerrando um período de ganhos iniciado no dia 27 de outubro de 2023, momento que marcou o fim do stress no mercado de renda fixa americana. Nesse intervalo, a bolsa americana cresceu mais de 27%. Desde então, o índice acumula perdas de 3%, longe de apagar os ganhos, mas indicando que o cenário de euforia perdeu força.

Euforia essa que teve início com um leilão atípico do Tesouro americano no dia 01 de novembro, quando atuou fora do roteiro e realizou uma emissão fortemente baseada em títulos de curtíssimo prazo. Títulos de curto prazo tem baixo risco de perda de poder de compra e são vistos pelo setor privado como um instrumento análogo à moeda, portanto, uma emissão baseada nesses títulos aumenta a liquidez do sistema financeiro, relaxando as condições financeiras da economia. Ao fazer isso, o Tesouro estava desfazendo parte do aperto monetário realizado pelo Fed.

Entretanto, o entusiasmo tomou conta do mercado após o comunicado do FOMC na reunião de dezembro. Nesta reunião, que ficou conhecida como o pivô de dezembro, o Fed deu os primeiros indícios de que acreditava que a batalha contra a inflação estava perto do fim e antecipava uma série de cortes nos juros no futuro próximo.

Tal comportamento, mais leniente com a inflação, foi repetido após a reunião de março com Powell fazendo pouco caso da piora no perfil da inflação observada em janeiro e fevereiro, considerando um produto da sazonalidade. Além disso, classificou o aumento na taxa de juros ao fim de ciclo esperada pelos membros do FOMC como algo pouco relevante, ao mesmo tempo em que considerava as condições financeiras como sendo restritivas.

A flexibilização do discurso em dezembro e o reforço dessa posição na reunião de marco, em meio a dados de atividade e inflação fortes, indica que o Fed se via entre a cruz e a espada. Por um lado, talvez fosse necessário manter a taxa de juros elevada por mais tempo para garantir a convergência da inflação à meta, mas correndo o risco de uma recessão. Por outro, poderia realizar cortes preventivos na taxa de juros de modo a minimizar o risco de recessão, mas aumentando o risco de uma reaceleração inflacionária.

Alguns dados indicam sinais de fragilidade, como a crescente taxa de inadimplência no cartão de crédito e as baixas intenções de contratação entre as pequenas empresas. Entretanto, o que vemos é uma atividade ainda aquecida, sugerindo um alto dinamismo da economia americana, com o mercado de trabalho ainda aquecido. O PIB do 1o trimestre até surpreendeu negativamente, com um crescimento de 1,6% ante expectativa de 2,5%. Entretanto, boa parte da decepção com o resultado é explicada pelo comportamento dos estoques e das importações. O primeiro é um componente altamente volátil, enquanto o segundo sugere uma demanda doméstica robusta. De fato, a medida de demanda final doméstica por produtos domésticos avançou 3,1%.

Ao adotar um discurso mais acomodativo, Powell sugere que sua função de reação é muito mais sensível ao mandato de pleno emprego do que ao mandato de inflação. Pelo menos, indica que ele está disposto a tolerar uma inflação ligeiramente acima da meta se isso significar que uma eventual recessão será evitada.

Essa postura tem um custo. Como argumentamos no nosso relatório anterior, a postura de Powell após a reunião de março era uma aposta de que a piora no perfil inflacionário era passageira e que a desaceleração econômica logo daria as caras e complementaria o trabalho da política monetária. Entretanto, no outro lado dessa aposta está a credibilidade da política monetária.

Os dados de inflação de março não contribuíram para a aposta do Fed. Com alta acima do esperado, a inflação e o núcleo voltaram a acelerar no acumulado em 12 meses. E a tendência indica ser de alta, com a inflação do núcleo, acumulada em 6 meses anualizada, mostrando aceleração pelo quinto mês consecutivo. Portanto, a inflação se mostra mais persistente que o esperado e dá sinais de reaceleração.

Olhando em retrospecto, o pivô de dezembro foi um movimento de elevado risco e baixo retorno. Ao fazê-lo naquele momento, o Fed liberou os espíritos animais dos investidores. Sem maiores evidências de que a inflação estivesse de fato convergido à meta, a flexibilização no discurso pode inclusive tornar a reaceleração inflacionaria uma profecia autorrealizável, pois ela, em tese, poderia reduzir a credibilidade do Fed, levando a uma corrida por ativos reais, que, por sua vez, teria impacto no nível de preços. Soma-se a isso a incerteza geopolítica, que está bastante estressada desde outubro de 2023, e temos um coquetel perfeito para maior volatilidade da inflação.

De fato, o desempenho de algumas classes de ativos sugere que os investidores antecipam uma inflação pressionada no curto prazo e uma menor confiança de que o Fed irá fazer o necessário para combatê-la. Por exemplo, o preço do ouro avançou 6,1% em abril, mesmo com os juros aumentando ao longo da curva, ou seja, os investidores preferem reter um ativo que não paga nenhum dividendo a reter dólares, mesmo com sua maior remuneração. Soma-se a isso o aumento da tensão no conflito entre Israel e Irã, com os países trocando ataques e elevando a incerteza global, com commodities pressionando na margem, especialmente as metálicas e energéticas. Nesse contexto, observamos nas últimas semanas um forte movimento de reprecificação dos ativos, com os investidores se posicionando para um cenário de juros elevados por mais tempo.

A grande pergunta hoje é: quando o Fed irá cortar os juros? O ano iniciou com uma expectativa agressiva de cortes, com o mercado esperando 6 cortes em 2024. O FOMC, por outro lado, projeta 3 cortes. Nesse momento, o mercado se mostra mais pessimista que o Fed e antecipa menos de 2 cortes esse ano. Há ainda a incerteza política. Com as eleições se aproximando, existe a visão de que o Fed pode se abster de cortar a taxa de juros muito próximo das eleições para não ser visto como um ator político que influenciou o resultado das eleições. Sendo assim, a janela para o início dos cortes se torna cada vez mais apertada. A reunião de junho, antes tida como o consenso para o início do ciclo de cortes, se torna cada vez mais improvável. Até lá, teremos a divulgação de dois dados de emprego e dois dados de inflação, que serão fundamentais para os próximos passos da política monetária. Caso os dados não deem a confiança necessária para os membros do FOMC iniciarem o ciclo de cortes, podemos ver tais cortes se iniciando apenas na reunião de dezembro, tendo em vista a proximidade das eleições. Cenário que se torna cada vez mais provável de acordo com o mercado.


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